O
fato de elementos indiciários acerca da prática de crime surgirem no
decorrer da execução de medida de quebra de sigilo bancário e fiscal
determinada para apuração de outros crimes não impede, por si só, que os
dados colhidos sejam utilizados para a averiguação da suposta prática
daquele delito. Com efeito, pode ocorrer o que se chama de
fenômeno da serendipidade, que consiste na descoberta fortuita de
delitos que não são objeto da investigação. Precedentes citados: HC
187.189-SP, Sexta Turma, DJe 23/8/2013; e RHC 28.794-RJ, Quinta Turma, DJe 13/12/2012. HC 282.096-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 24/4/2014.
Espaço idealizado para divulgação das atividades do Juizado Especial Criminal da Zona Norte e de informações gerais. Contato: jecrimzn@gmail.com
sexta-feira, 6 de junho de 2014
terça-feira, 25 de março de 2014
Professor da USP desenvolve curso online de escrita científica
http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.php?id=91774
JC e-mail 4898, de 19 de fevereiro de 2014
JC e-mail 4898, de 19 de fevereiro de 2014
8. Professor da USP desenvolve curso online de escrita científica | |
O
curso é voltado especialmente para alunos de pós-graduação e
pesquisadores na produção de artigos de maior relevância acadêmica Mais difícil até mesmo do que fórmulas intrincadas, a elaboração de artigos científicos no Brasil ainda deixa a desejar. Pensando em melhorar a qualidade dos textos, o professor Valtencir Zucolotto, do Instituto de Física de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP), criou o curso Escrita Científica. As aulas são online e gratuitas: basta baixar as apostilas e assistir às vídeo-aulas, acessíveis a estudantes de todo Brasil. O curso é voltado especialmente para alunos de pós-graduação e pesquisadores na produção de artigos de maior relevância acadêmica. "A redação de trabalhos científicos, elaborados para serem publicados em revistas, é um dos gargalos para o crescimento da produção científica das universidades, incluindo a própria USP", afirmou o então pró-reitor de pesquisa da instituição, Marco Antonio Zago, atual reitor da USP. As aulas são divididas em oito módulos, com passo a passo de cada parte do artigo (título, introdução, resultados e conclusões). Há também um tópico especial sobre a elaboração de textos em inglês, o que torno o texto mais atrativo para publicações internacionais. O curso não disponibiliza a emissão de certificados. A produção científica brasileira ainda está abaixo do esperado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que em 2013 já havia apontado a necessidade de estimular a qualidade dos trabalhos publicados por cientistas brasileiros. Mesmo a USP, a maior produtora de artigos científicos do país, ainda possui baixa repercussão internacional. No último ranking do Índice Global de Inovação de 2013, produzido pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual, o Brasil ficou em 64º lugar entre 142 países |
domingo, 17 de novembro de 2013
INFRAESTRUTURA JUDICIÁRIA
Do discurso à realidade, distância
abissal! - Por Antonio Sbano *
A cada crise, a cada situação
impactante, ouvimos discursos inflamados pregando a necessidade de
solução e apresentando fórmulas mágicas.
Passada a ventania, tudo se esquece e
voltamos ao status quo ante.
Desde longa data os juízes brasileiros
questionam a falta de infraestrutura para trabalhar. Acendeu-se uma
luz de esperança com a criação do CNJ, mas esta luz não passou de
mera lamparina, sem querosene!
Questionamos, enquanto aqueles que
estão ao lado do cidadão, vivendo nas mais longícuas comarcas e
seções judiciárias, das parcas instalações, da falta de
segurança, da sobrecarga de trabalho, da falta de material e de
pessoal qualificado. Reclamamos a necessidade de mudança na
legislação processual, ranços das Ordenações, mas falamos ao
vento e nossa oratória, tal qual grãos de areia é levada pelo
tempo e esquecida.
Discute-se no Congresso a reforma da
lei penal e dos códigos de processo. Na área penal, as mudanças
feitas na última década apenas atenderam aos reclamos dos advogados
criminalistas, Afrouxando a lei e beneficiando a bandidagem, tudo em
favor dos acusados e condenados, em detrimento à sociedade, mas o
povo reclama: “ a polícia prende, o juiz solta”, como se o juiz
pudesse mudar o comando legal.
Na esfera cível, o projeto elaborado
no Senado com a participação de magistrados atendia à modernidade;
agora, na Câmara, por pressão da OAB, temos um texto a eternizar o
processo, a permitir mais e mais gincanas e artimanhas
procrastinatórias. As normas legais devem ser feitas para atender Á
SOCIEDADE e não para satisfazer interesses classistas e de um
segmento profissional.
Dentro desse cenário e diante dos
reclamos da magistratura, surgem os discursos enfatizando a
necessidade de se valorizar o 1º Grau, discursos até de quem no
passado, sempre pisoteou e atacou os juízes em suas bases. Enfim,
papel aceita tudo quanto nele se escreve!
Não adiante apenas falar é preciso
agir e dar as necessárias condições de trabalho, inclusive dando
exemplo de eficiência.
Aqui, só se considera “ficha suja”
quem tenha condenação em 2º Grau, como se a decisão do juiz,
daquele que vivenciou o problema junto à comunidade onde serve, nada
valasse.
Nos Tribunais em geral, e agora no CNJ,
assessorias, equipamentos modernos, carros, motoristas, seguranças a
cada passo, gastos excessivos e algumas instalações suntuosas.
Nas Comarcas, Varas mal instaladas,
prédios ruindo, em muitos Estados verdadeiros pardieiros, somando-se
à falta de pessoal – a Justiça de muitos Estados somente funciona
com pessoal emprestado pelos Municípios, uma vergonha, gente boa,
mas sem qualificação profissional e em quantidade insuficiente. Não
raro, o juiz, além de presidir as audiências, tem que
digitalizá-las por falta de assessor para tanto.
Fala-se na informatização dos
processos, ótimo, maravilhoso, mas esquecem que na Amazônia, por
exemplo, não existe banda larga e que os Tribunais são obrigados a
parcerias com outros órgãos para poder transmitir seus dados, isto
quando tem luz porquanto muitas usinas termoelétricas não funcionam
o dia todo, por economia e seu alto custo.
Quando o juiz adia uma audiência,
justas reclamações, mesmo que exista um motivo razoável. No CNJ,
pauta-se mais de uma centena de processos e só se julgam alguns,
muitos na chamada pauta rápida, prática ilegal e a caracterizar
julgamento secreto, feito a quatro paredes, sem acesso das partes e
advogados somente se divulgando o resultado final. Advogados se
locomovem à Brasília para sustentação oral, uma, duas, dezenas de
vezes, com elevados custos, vendo seus processos serem adiados em
razão da elevada carga de serviço e do adiantado da hora.
Interessante, aqui a OAB não reclama, não questiona o desrespeito
aos advogados – ah, se fosse numa vara, pobre do juiz, lá estaria
a OAB a vociferar e protestar!
Nas Varas o juiz está entregue à
própria sorte, sem segurança alguma, mas alguém já observou o
número de seguranças nas dependências do CNJ, em dias de Sessão
ou de assessores, sempre postados ostensivamente na sala e o esquema
de segurança para ingresso nas dependências do STF?
Enquanto os juízes sofrem com a falta
de pessoal, nos gabinetes dos Tribunais sobram funcionários
assessorando. Tal disparidade é cantada em prosa e verso, criticada
pelo próprio CNJ, como as observações feitas na Sessão de hoje em
relação à Bahia, mas de concreto, de real, qual a medida tomada
para obrigar os Tribunais a melhor gerenciar seu pessoal e
distribuí-lo de forma equânime e capaz de atender a demanda de
serviço e não a conveniências localizadas e em cargos
comissionados?
A magistratura de carreira que se
esvazia, cerca de ¼ dos cargos em todo o Brasil estão vagos,
obrigando os juízes a acumularem uma ou mais Varas, nem sempre na
mesma Comarca (e, ainda assim, cerca de 12000 juízes são capazes de
prolatar mais de 25 milhões de sentença por ano, além de realizar
audiências, ouvir testemunhas e realizarem uma infinidade de atos
administrativos!): candidatos que deixam de tomar posse para migrar
para outras carreiras com melhor remuneração (vendo os jornais de
ontem, 11/XI, vi a informação de que fiscais do Município de são
Paulo ganham 20 mil por mês, mais do que a remuneração do juiz em
entrância final naquele Estado), aposentadoria precoces pela falta
de estímulo para permanecer na carreira, mas a PEC destinada a
restabelecer o adicional por tempo de serviço está engessada na
Câmara e no Senado por pressão do Poder Executivo.
Outras carreiras receberam aumento real
e nominal de salários, a magistratura, apesar de norma
constitucional garantir a reposição da inflação anualmente,
registra perdas de mais de 30% em seus subsídios e o juiz não pode
exercer nenhuma outra atividade, salvo um cargo no magistério, nem
recebe verbas de gabinete ou auxílios outros, como nos demais
Poderes.
Diversas carreiras gozam de
aposentadoria especial, em razão do risco pelo exercício da função,
os juízes foram colocados na vala comum da falida (mal gerida)
Previdência, apesar de contribuírem sobre a totalidade de seus
subsídios e não pelo teto do INSS. Mais de 150 juízes ameaçados
de morte, invasão de Fóruns, mortes registradas e dizem que a
atividade não é de risco!
Como se pode ver, entre os discursos
inflamados, flash e entrevistas e a realidade do dia a dia existe um
abismo quase que intransponível, contribuindo para a morosidade da
Justiça em prejuízo ao povo brasileiro.
Mais uma vez fica a indagação, a quem
interessa uma Justiça fragilizada em suas bases.
Calar os juízes é fechar a última
porta de esperança do cidadão, é tirar dele a oportunidade de se
opor a opressão e aos desmandos (e não se diga que o povo não
acredita nos juízes, a crescente demanda processual demonstra
exatamente o contrário, tanto o brasileiro confia na sua Justiça
que a ela recorre cada vezes mais!).
Juiz valorizado é juiz com boas
condições de trabalho em todos seus aspectos, com remuneração
compatível com suas responsabilidades e a certeza de que
dedicando-se exclusivamente à carreira poderá ter, na aposentadoria
o mesmo padrão de vida anterior.
* Antonio Sbano, Presidente da
Associação Nacional dos Magistrados Estaduais – Anamages
http://www.anamages.org.br/?view=detalhe.publicacao&url_amigavel=do-discurso-a-realidade-distancia-abissal-por-antonio-sbano
segunda-feira, 21 de outubro de 2013
A ESTÓRIA DA “KATCHANGA REAL” – RECOLOCANDO AS COISAS NO LUGAR OU DE COMO SE PODE “KATCHANGAR” SEM SE DAR CONTA DE QUE SE ESTÁ “KATCHANGANDO” – UMA HOMENAGEM A LUIS ALBERTO WARAT.
A ESTÓRIA DA
“KATCHANGA REAL” – RECOLOCANDO AS COISAS NO LUGAR OU DE COMO SE
PODE “KATCHANGAR” SEM SE DAR CONTA DE QUE SE ESTÁ “KATCHANGANDO”
– UMA HOMENAGEM A LUIS ALBERTO WARAT.
Lênio Streck
http://www.leniostreck.com.br/site/2012/02/10/a-estoria-da-katchanga-real-por-lenio-streck/
1. Pedi um trabalho
sobre princípios e regras para os meus alunos. Alguns dos papers
vieram com uma estorinha que servia para criticar a ponderação e
uso dos princípios. A estória que apresentaram era a Katchanga
(Real), que, segundo eles, circulava na Internet como. Dias depois,
na Conferência Nacional da OAB, em Curitiba, 2011, depois de minha
palestra, um grupo de estudantes e advogados indagou-me sobre a tal
da história da “katchanga”.
2. Alguns, mais velhos,
já tinham ouvido eu contar essa estorinha há muitos anos atrás.
Pois, como poderemos perceber, mais recentemente a estória da
Katchanga ganhou “novos foros”, longe daquilo que significava
originalmente. Com “C” ou com “K”, os alunos que usaram a
estória tinham a convicção de que, ao se convocarem a estorinha,
estavam sendo altamente críticos…
3. Pois bem. Vou fazer,
aqui, uma espécie de “interpretação autêntica”, para brincar
um pouco com essa palavra. Digo “autêntica” porque faço parte
da história institucional do aparecimento da estória da Catchanga
(ou Katchanga) em terrae brasilis, há muitos e muitos anos. Pode-se
dizer que alguns dos que hoje invocam a metáfora, em sites ou blogs,
ainda não haviam nascido quando a estória começou a ser usada na
teoria do direito.
4. Então… A estória
da Katchanga vem de Florianóplis, Universidade Federal e
alrededores. Quem a construiu foi o saudoso Luis Alberto Warat. Ele a
chamava de “O Jogo da Katchanga…”. Observe-se: Warat falava mal
o português; ele pronunciava Katchanga, com “t”. Como
esclarecerei mais adiante, a estória vem dos “escravos de Jó”,
que jogavam “cachangá”…
5. Discuti em aula e na
minha casa – Warat era frequentador diário, junto com Leonel
Severo Rocha e Sérgio Cademartori (entre outros) – a tal
estorinha, que virou metáfora. É da década de 80. E, depois, nos
anos 90, contei isso em dezenas de conferências.
6. Warat contou a
estória para metaforizar (e criticar acidamente) a dogmática
jurídica. De certo modo, uma estorinha similar corre no Rio Grande
do Sul, envolvendo um jogo de cartas do velho Assis Brasil, figura
política importante nos pagos gaúchos. A Katchanga “Real” dele
era denominada “Farroupilha”. Ele, porque detinha o poder, não
perdia nunca: quando o jogo não tinha saída para ele, ele atirava
as cartas na mesa e gritava: “Farroupilha” (lembremos, aqui,
prontamente – e isso é extremamente relevante para a compreensão
do sentido da metáfora – da decisionista Wille zur Macht de
Nietzsche, que pode ser vista no Oitavo Capítulo da Teoria Pura do
Poder de Kelsen, quando ali ele diz que “a interpretação é um
ato de vontade”; não esqueçamos que Kelsen faz a distinção
entre a interpretação como ato de conhecimento e ato de vontade –
este último é o ato feito pelos juízes; eis o ovo da serpente do
voluntarismo). Observemos como essas coisas têm uma relação.
7. Mas Warat, que,
repito, nunca falou português direito (eu passei do espanhol para o
português os rascunhos do livro Ciência Jurídica e Seus Dois
Maridos e tantos outros alunos faziam essas tarefas cotidianamente
enquanto seus orientandos), contava a estória a partir dos Escravos
de Jó, que jogavam Cachangá… (desnecessário lembrar, aqui, a
cantiga dos Escravos de Jó… – sim, Jó tinha escravos, embora
alguns religiosos digam que não, ao “tucanearem” a palavra
“escravos” por “servos”; mas, em Jó 1:3, lê-se: possuía
sete mil ovelhas (…) e uma grande quantidade de escravos…; de
todo modo – e aqui faço uma broma – isso não tem nenhuma
importância para o que quero discutir!).
8. Warat inventou a
Katchanga Real, adaptando-a, ao que nos contou, de um amigo argentino
(em face da pronúncia, “Cachanga” – que já perdera o caráter
de oxítona – chegou a ser confundida com “chancha” – “porca
real”), para fazer uma crítica à dogmática jurídica. Falo em
Warat e lembro, desde logo, o “monastério dos sábios”, o
“manifesto do surrealismo jurídico” e “por quien cantan las
sirenas” (saudades do gringo; ele chegava lá em casa e perguntava:
hay pan? Logo, pegava um pedaço, ligava o fogão a gás e “assava”
el pan…; escrevia sempre; em qualquer “papelito”; por quien
cantan las sirenas era um amontoado de “hojas” de papel de
cadernos, carteiras de cigarro e até de pão – escritas a mão em
castellano e/ou portunhol!)
9. Afinal, dizia Warat,
“a dogmática jurídica é um jogo de cartas marcadas”. E quando
alguém consegue entender “as regras”, ela mesma, a própria
dogmática, tem sempre um modo de superar os paradoxos e decidir a
“coisa” ao seu modo… Ela, por si, é decisionista, no sentido
da “vontade do poder” (Wille zur Macht). D´onde a Katchanga Real
e o velho Farroupilha são absolutamente similares. Já no imaginário
social isso exsurge claramente. Observe-se: a estória que Warat e
nós desenvolvemos e adaptamos para o direito, naqueles dias, tem
exatamente relação com uma coisa básica: Cachangá (da cantiga)
não é jogo! E, se for, não tem regras! Eis o segredo metafórico.
Lembro, nesse sentido, as palavras do professor Cláudio Moreno: “Se
esse jogo existisse, seria quase impossível explicar como ele passou
despercebido por todos os antropólogos e etnólogos que estudam
nossas tradições populares.”. E Artur Louback Lopes complementa:
“O que pode ter ocorrido é uma espécie de ‘telefone sem fio’:
se originalmente o verso fosse ‘juntavam caxangá’ ao invés de
‘jogavam’, poderíamos pensar em escravos pegando siris em vez de
em um jogo…”. Mais: se nos fixarmos na Cantiga famosa, além do
jogo não ter sentido, também o restante é, por assim dizer,
absolutamente discricionário, como “guerreiros com guerreiros
fazem zig…”. Metáforas, metonímias, “telefone sem fio”,
etc, assim vamos construindo as “coisas” do sentido e o “sentido
das coisas”…!
10. Assim, a “Katchanga
real” é um estória que transformamos em metáfora, com o objetivo
de explicar o papel poderoso (e perigoso) da interpretação do
direito e dos princípios. Lembro a todos: Warat era um analítico da
cepa; nunca foi adepto do realismo jurídico. Isso ele sempre deixou
bem claro.
11. Mas, vamos a
estória: existia um Cassino que aceitava todos os tipos de jogos.
Havia uma placa na porta: aqui se jogam todos os jogos! Isto é, não
havia nada que ficasse de fora do “sistema de jogo” do Cassino.
Tratava-se de um Cassino non liquet (na verdade, vedação de non
liquet). Um Cassino que era um sistema aberto e fechado ao mesmo
tempo (prato cheio não só para hermeneutas, como também para
sistêmicos, como Leonel Severo Rocha, com o qual tantas vezes
discutimos isso – ele, Warat, Sérgio e eu). Poderíamos chamar
esse “sistema do cassino” de uma espécie de “Cassino
Fundamental” (um Grundcassino?)…! De uma forma mais sofisticada,
pressupõe-se que “todos os jogos sejam jogados”, ou algo nessa
linha. As derivações são múltiplas, pois.
12. Pois bem. Chegou um
forasteiro e desafiou o croupier do cassino, propondo-lhe o jogo da
Katchanga. Como o croupier não poderia ignorar esse tipo de jogo –
porque, afinal, ali se jogavam todos os jogos (lembremos do non
liquet) –, aceitou, ciente de que “o jogo se joga jogando”,
portanto, não há lacunas no “sistema jogo”.
13. Veja-se que o dono
do Cassino, também desempenhando as funções de croupier, sequer
sabia que Katchanga se jogava com cartas… Por isso, desafiou o
desafiante a iniciar o jogo, fazendo com que este tirasse do bolso um
baralho. Mais: o desafiado também não sabia com quantas cartas se
jogava a Katchanga… Por isso, novamente instou o desafiante a
começar o jogo.
14. O desafiante,
então, distribuiu dez cartas para cada um e começou “comprando”
duas cartas. O desafiado, com isso, já aprendera duas regras: 1)
Katchanga se joga com cartas; 2) é possível iniciar “comprando”
duas cartas. Na sequência, o desafiante pegou cinco cartas, devolveu
três; o desafiado (croupier) fez o mesmo. Eram as regras seguintes.
15. Mas o
“Grundcassinero” (chamemos ele assim) não entendia o que fazer
na sequência. O que fazer com as cartas? Eis que, de repente, o
desafiante colocou suas cartas na mesma, dizendo “Katchanga”…
e, ato contínuo, puxou o dinheiro, limpando a mesa. O “Grund…”,
vendo as cartas, “captou” que havia uma sequência de três
cartas e as demais estavam desconexas. Logo, achou que ali estava uma
nova regra.
16. Dobraram a aposta
e… e tudo de novo. Quando o “Grund…” conseguiu fazer uma
sequência igual a que dera a vitória ao desafiante na jogada
primeira, nem deu tempo para mais nada, porque o desafiante atirou as
cartas na mesa, dizendo “Katchanga”… Tinha, desta vez, duas
sequências…! Dobraram novamente a aposta e tudo se repetiu, com
pequenas variações na “formação” do carteado. O “doutor
Grund…” já havia perdido quase todo o dinheiro, quando se deu
conta do óbvio: a regra do jogo estava no enunciado “ganha quem
disser Katchanga primeiro”.
17. Pronto. O “doutor”
“Grund…” desafiou o forasteiro ao jogo final: tudo ou nada.
Todo o dinheiro contra o que lhe restava: o Cassino. E lá se foram.
O desafiante pegava três cartas, devolvia seis, buscava mais três,
fazia cara de preocupado; jogava até com o ombro… E o “Doutor
Grund”, agora, estava tranquilo. Fazia a sua performance. Sabia que
sabia!
18. Quando percebeu que
o desafiante jogaria as cartas para dizer Katchanga, adiantou-se e,
abrindo largo sorriso, conclamou: Katchanga… e foi puxar o
dinheiro. O desafiante fez cara de “pena”, jogando a cabeça de
um lado para outro e, com os lábios semi-cerrados, deixou escapar
várias onomatopeias (tsk, tsk, tsk)… Atirou as cartas na mesa e
disse: Katchanga Real!
19. Moral da estória:
a dogmática jurídica sabe tudo, tem – sempre – todas as saídas,
mas sempre sobra algo!!! Os sentidos não cabem na regra. A lei não
está no direito, e vice-versa. Não há isomorfia. Há sempre um
não-dito, que pode ser tirado da “manga do colete interpretativo”.
Esse é o papel da interpretação. Para o “bem” e para o “mal”…!
20. Mas, atenção: a
estória era para mostrar o paradoxo que representa esse fenômeno “a
dogmática jurídica”, com seu “pretenso sistema fechado” e os
modos de derrotá-la. Ou não. Dizia-se (eu repetia muito isso pelo
Brasil afora): você tem que saber jogar a Katchanga… (Real!).
Portanto, não basta pensar que aprendeu jogar a Katchanga. O jogo é
mais complexo (como veremos, os alunos e os neocríticos jurisnautas
que “readaptaram” a estorinha não se deram conta de que a
própria Katchanga Real representa um problema).
21. Nessa época, nem
de longe poderíamos imaginar o “estado de natureza hermenêutico”
provocado pelas teorias voluntaristas (mormente as
pan-principialistas que se multiplicaram Brasil afora). Nem de longe
poderíamos imaginar essa onda “solipsista” que se espraiou
pós-Constituição de 1988, principalmente nos últimos 10-12 anos.
Sendo mais específico: em um Estado dito Democrático de Direito, a
tarefa interpretativa (applicatio) da magistratura é argumentar
dentro dos parâmetros dos mundos constitucionalmente possíveis. Em
parte, lutava-se nas brechas da institucionalidade, para encontrar
vaguezas e ambiguidades, como analíticos que éramos. Mesmo após o
advento da Constituição, levamos alguns anos para compreender o
novo paradigma e a própria autonomia que o direito adquirira. A
“função” da Katchanga se alterara… E muito. Por exemplo, a
crítica ao positivismo se alterou profundamente; passamos a nos
preocupar com o discricionarismo e os ativismos…; no Brasil,
parcela considerável dos juristas ainda não se deu conta disso; dia
destes, em uma banca de mestrado, eu sustentava o cumprimento,
digamos assim, da “letra” do art. 212 do CPP e uma importante
professora me criticou, dizendo: “você está sendo positivista…”
ao exigir o cumprimento da “literalidade”. Na hora, lembrei de
Elias Diaz e sua “legalidade constitucional”… . Depois escrevi
sobre isso, remetendo os leitores para o texto “Aplicar a Letra da
Lei é Atitude Positivista?”, com ênfase na interrogação….
Esse texto está na Revista Novos Estudos Jurídicos, da Univali,
disponível on line.
22. Mas, continuo.
Mesmo depois da Constituição, usei a metáfora várias vezes, já
dando a ela uma “roupagem mais hermenêutica”. Na verdade, sempre
a relatei para evidenciar o papel criativo da hermenêutica. Queria
mostrar que o texto jurídico não é plenipotenciário. Lá adiante,
na fusão de horizontes, levando em conta a Wirkungsgeschichtliches
Bewußtsein, há um algo que se manifesta. Como falei antes, há
sempre um não dito, que deve ser descoberto (desde a primeira edição
do Hermenêutica Juridica e[m] Crise – da década de 90, trabalho
com as três dimensões: Erschossenheit, Entdeckenheit e
Unverborgenheit). Como diz Gadamer, ser que pode ser compreendido é
linguagem. A linguagem não abarca tudo. Sempre sobra “um real”
ainda não dito. Eis aí a questão do des-velamento
(Unverborgenheit).
23. Assim, em um
primeiro momento a Katchanga Real era, efetivamente, o salto para
além do exegetismo. Em um segundo momento, a Katchanga poderia ser
um perigoso elemento de, sob pretexto de superar o exegetismo,
transformar-se em um álibi para poder “dizer qualquer coisa sobre
qualquer coisa”… Algo que o voluntarismo interpretativo de terrae
brasilis fez e faz. Basta ver a pan-principiologia (expressão que
cunhei e que está presente em vários textos meus e especialmente em
Verdade e Consenso). Afinal, se princípios são normas – e deve
haver já mais de 2.000 dissertações e teses que dizem isso –,
qual é a normatividade de “princípios” (sic) como o da
confiança do juiz da causa, da verdade real, da instrumentalidade,
da cooperação processual, etc?
24. Percebe-se, assim,
o modo como a estória contada por Warat se encaixa perfeitamente ao
modo como (ainda) opera a dogmática jurídica, que sobrevive a
partir do sentido comum teórico dos juristas (que ele também
caricaturava como o “monastério dos sábios”). Talvez a
dogmática tenha até se aprimorado (tenho referido, de uns oito anos
para cá, que a dogmática jurídica passou por uma “adaptação
darwiniana”, porque até mesmo os juristas mais “tradicionais”
“descobriram” que as palavras da lei são vagas e ambíguas,
coisa que denunciávamos desde o início dos anos 80, quando nem se
falava ainda em Constituição; junto a isso houve a descoberta da
“era dos princípios”; divirto-me quando um conhecido jurista
diz: “hoje há dois tipos de juízes: o boca da lei e o dos
princípios; o juiz boca da lei está morto; hoje vive o juiz dos
princípios…! Pois é: quando denunciávamos, a partir das teorias
analíticas, que as palavras da lei eram vagas, ambíguas, etc.
éramos duramente criticados…; éramos perigosos…!.
25. Registre-se, por
relevante, que autores contemporâneos a Warat, como é o caso de
Tércio Sampaio Ferraz Jr., oferecem uma excelente descrição para a
dogmática jurídica que possui essas mesmas características.
Tércio, já há mais de trinta anos, em específico, retrata a
dogmática como técnica, dominação e decisão que se desenvolve a
partir da confluência de três fatores históricos específicos: o
método dos glosadores/comentadores do século XII e seguintes; a
concepção sistemática que emerge das correntes do jusnaturalismo
racionalista; e as construções teóricas do século XIX, mais
especificamente a discussão em torno da polêmica “jurisprudência
dos conceitos vs. jurisprudência dos interesses”. Tércio aponta
para o fato de que todo saber dogmático que se constitui no direito
tem como pólo unificador a necessidade da decisão.
26. Em termos mais
simples: o que diferencia o nosso direito de outros direitos
existentes em outras culturas e outros tempos históricos é,
exatamente, a impossibilidade de “decisões salomônicas”, como
bem lembra João Maurício Adeodato. O non liquet impõe à dogmática
uma espécie de tarefa: os problemas jurídicos precisam de uma
solução decisional. Essa é a questão. A “Katchanga”, no
fundo, representa esse fator de decisão que, como desmascarava
Warat, não pode ser encontrada a partir de uma análise pedestre dos
textos que compõem os códigos e a legislação de uma maneira
geral. Há uma plêiade de fatores a influenciar a decisão que ficam
de fora dessas analises estritas do fenômeno jurídico e do modo de
se retratar, tradicionalmente, o papel da dogmática jurídica.
27. Por certo que,
atualmente, nossa tarefa, enquanto viventes de uma democracia
constitucional, é criar as condições para a extirpação de
qualquer tipo de decisionismo. E a Katchanga Real, pós-exegética,
corre o risco – efetivo – de ser decisionista, discricionária,
solipsista, arbitrária… Exatamente por isso é que já não a uso
de há muito, em face desse “alto fator de risco deciso-solipsista
que parcela da doutrina assumiu, recepcionando, equivocadamente, a
Wertungsjurisprudenz (jurisprudência dos valores), a Teoria da
Argumentação Jurídica, que se transformou na “pedra filosofal da
interpretação” (d´onde a disseminação descriteriosa da
ponderação de valores) e um certo realismo jurídico, problemática
que explico em trinta páginas na Introdução da 4ª. Edição do
Verdade e Consenso, para onde me permito remeter o leitor. Por isso,
minha cruzada, de há muito, está assentada na necessidade de se
criar anteparos à atividade decisória, num contexto democrático de
legitimação (é a Teoria da Decisão que proponho). Uma
justificação que, com Dworkin, podemos dizer que deve ser a que
melhor retrata o direito da comunidade política como um todo. O meu
Verdade e Consenso trata disso amiúde.
28. Percebo, pelos
papers de alguns alunos e por alguns sítios (sites e blogs) da
Internet, que há uma utilização equivocada (e simplória) da
metáfora da Katchanga. Explico: os “neocríticos” que se
apropriaram da estória da Katchanga – sem qualquer preocupação
com o revolvimento do chão lingüístico que sustenta a tradição –
apresentam-na em uma espécie de “ponto cego”, que corre o risco
de vitimar sua construção. Os utentes – e outro dia tomei
conhecimento que um importante professor de um Curso de alcance
nacional recomendou vivamente a leitura da estorinha – pretendem
deduzir os efeitos da “Katchanga” à circunstância da
“ponderação à brasileira”. Realizam, assim, os próprios
utentes uma espécie de subsunção… da própria estorinha. E, como
toda subsunção, ela oferece apenas um recorte daquilo que é
possível iluminar a partir da estória contada por Warat e por mim
adaptada à saciedade. “Batem” contra o ôntico, esquecendo-se da
transcendência… (lembro, aqui, do exemplo do fuzil, de Heidegger,
e do exame oral da Universidade, que utilizo no Verdade e Consenso
para explicar a diferença – ontológica – entre regra e
princípio).
29. Veja-se. E vou mais
direto ao ponto. A estória da Katchanga não pode ser utilizada
superficialmente. O texto que trata da “Katchanga” (da Internet),
que até teve algum trânsito na Internet, pretendeu fazer uma
crítica à utilização, por assim dizer, ligeira da teoria dos
princípios de Robert Alexy no Brasil… O problema consistiria em
que a técnica da ponderação de princípios não estaria sendo
empregada de forma rigorosa pelos julgadores brasileiros. Assim,
decisões que arbitram o conflito entre princípios, e que assim
relativizam direitos fundamentais, não estariam geradas por
argumentos consistentes. A decisão judicial consistiria numa mera
escolha – por definição, arbitrária. Vigoraria, pois, uma teoria
da katchanga na mentalidade forense, já que ninguém saberia bem
quais seriam as regras do jogo e nem, portanto, quais as razões que
levariam alguém a vencê-lo. E a invocação do princípio da
proporcionalidade – que, ao invés de aumentar a carga
argumentativa da decisão, serviria para legitimar qualquer solução
– seria a katchanga real. De acordo! O problema é que, por ele,
passa-se a pensar que, se a ponderação for (ou fosse) utilizada
corretamente, o katchangamento desapareceria… Salva-se a teoria,
jogando-se fora a “parte brasileira”… Fácil, pois.
30. Ora, na verdade, o
que deve ser dito é que a ponderação à brasileira não é uma
representação de uma “teoria da Katchanga” (sic), mas, sim, ela
própria é a Katchanga no modo como a joga a dogmática jurídica.
Ela representa uma forma de decidir, e afirmar, assim, o non liquet.
Isso os utentes da Internet que se utilizam da “brincadeira da
Katchanga” não entenderam. Em outras palavras: a dogmática
jurídica, por sua adaptação darwiniana, é muito mais “esperta”
do que se pensa…
31. A versão da
Katchanga que circula por aí é impertinente (no sentido de que não
pertine), porque isso não é uma peculiaridade da “ponderação à
brasileira”. Longe disso. O “mito Katchangal” está presente na
própria teoria de Alexy e no elemento decisionista inerente ao seu
procedimento ou fórmula da ponderação. Por que poupar a tese de
Alexy? Se é verdade que criamos uma “ponderação à brasileira”
– e concordo com alguns júris-nautas nesse ponto –, também é
verdade que há fortes traços discricionários e voluntaristas na
Abwägung original (que, aliás, constou inicialmente na
Interessenjurisprudenz, de Philip Heck, setenta anos antes de Alexy
ter escrito a sua TAJ). Repito: se queremos criticar a ponderação,
critiquemos também o original, mormente aquele “mantra” que
atravessou o oceano, tão seguido e repetido no Brasil: a
distinção/cisão estrutural entre regras e princípios…! Essa
distinção estrutural (que é semântico-estrutural) é abraçada
por um conjunto enorme de juristas de terrae brasilis.
32. Alguns textos
“internáuticos” que querem utilizar a Katchanga para criticar o
uso da ponderação até fazem algum sentido, reconheço. O problema,
entretanto, reside no modo como alguns constroem o argumento. Em um
discurso, sempre fica algo “de fora”. Na hermenêutica filosófica
trabalhamos bem isso. Mas, no caso da estorinha contada na Internet e
que, de certo modo, “fez fama”, ficou muita coisa fora, o que
prejudica sobremaneira seu empreendimento interpretativo.
Parafraseando Dworkin, em seu Justice for Hedgehogs, é possível
dizer que não passa de um acidente o fato de alguns utentes terem se
aproximado da verdade…
33. Ainda, numa
palavra: a “piada” da “Katchanga” pode ser utilizada para
“destruir” a ponderação… Sim! Sem dúvida. Mas não apenas a
ponderação à brasileira. E, fundamentalmente, há que ter
coerência nos argumentos.
34. Com efeito, isto
quer dizer que, para ser coerente, quem utilizar a “Katchanga Real”
tem de, necessariamente, criticar a discricionariedade judicial…,
sob pena de também Katchangar. Ou alguém tem dúvida de que a
ponderação e a discricionariedade são irmãs siamesas? (lembro,
aqui, das agudas e azedas críticas que Müller e Habermas fazem à
ponderação…; nem preciso me referir a outras). E, como demonstro
em Verdade e Consenso, Alexy “não abre mão da
discricionariedade”. Ele é explícito nisso. Do mesmo modo, quem
utilizar a metáfora da Katchanga (pretendendo ser crítico, é
claro) não pode continuar defendendo a distinção
semântico-estrutural entre regras e princípios. Ah, não dá para
compatibilizar isso. Aqui, ainda um registro: há vários juristas
que, a partir da Teoria da Argumentação Jurídica, criaram, para
além da ponderação de princípios, a ponderação de regras… Os
resultados todos conhecemos.
35. Igualmente quem se
utiliza da Katchanga Real não pode ser a favor do livre
convencimento do juiz. De jeito nenhum! Já no processo civil, quem
se utiliza da crítica do “efeito Katchanga real”, deve se postar
contra o instrumentalismo. Na mesma linha, quem se utiliza da
“metáfora Katchangal”, no processo penal, deve ser absolutamente
contra qualquer forma de inquisitivismo. São os, digamos assim,
alguns dos “custos hermenêuticos” que se paga… A menos que se
use a estorinha apenas para fazer rir… E, se sabe, ela produz boas
gargalhadas, porque as pessoas não esperam aquele final apoteótico
da adjetivação “Real”.
36. Em síntese,
Katchanga (Real) é uma estorinha aberta. E paradoxal. Tem
componentes críticos. Mas, lamentavelmente, pode conter fortes
tintas do sujeito cognoscente (do esquema S-O)… E pode ter fortes
indícios de “predação do objeto” (homenageio, aqui, meu mestre
Ernildo Stein). A “Katchanga (Real)” e a crítica podem ser
“amigos”. Mas podem também ser inimigos. Antitéticos. Depende
como se a lê a estória… e como se a conta. Ninguém é dono de
estórias ou histórias. Elas podem ser utilizadas à vontade. Apenas
faço esse registro, de quem viveu aqueles tempos, quando a crítica
brasileira engatinhava!
37. As estórias têm
origens. Não há grau zero. Como diz Gadamer, não há a primeira
palavra. E, fundamentalmente, as estórias possuem sentidos.
Parafraseando uma máxima hermenêutica (no conto está o contador
ou, como diria Heidegger, o mensageiro já vem com a mensagem), na
estória da Katchanga Real, pode estar o Katchangador (ou
catchangueiro). Ou não! Saludos.
Escrito na Dacha de São
José do Herval, bem nos altos da Serra gaúcha, enquanto esperávamos
uma galinha caipira assada, sob os auspícios da Chef Rosane, tomando
um chimarrão com meu Amigo Sérgio Cadermatori – fazendo
recordações da belle epoque da crítica do direito, em que
diariamente privávamos da companhia de Professores como Luis Alberto
Warat e líamos Hart, Castoriadis, Veron, Ross, atirados ao sol da
Ilha do Desterro.
Alexy à brasileira ou a Teoria da Katchanga
GEORGE MARMELSTEIN LIMA
Certa semana, viajei para Floripa para ministrar minha aula no módulo
de direito constitucional na Emagis. Após as aulas, dei uma volta pela
cidade com alguns juízes federais que participaram do curso e, através
deles, ouvi a seguinte anedota:
Um rico senhor chega a um cassino e senta-se sozinho em uma mesa no canto do salão principal. O dono do cassino, percebendo que aquela seria uma ótima oportunidade de tirar um pouco do dinheiro do homem rico, perguntou se ele não desejaria jogar.
- Temos roleta, blackjack, texas holden’ e o que mais lhe interessar, disse o dono do Cassino.
- Nada disso me interessa, respondeu o cliente. Só jogo a Katchanga.
O dono do cassino perguntou para todos os crupiês lá presentes se algum deles conhecia a tal da Katchanga. Nada. Ninguém sabia que diabo de jogo era aquele.
Então, o dono do cassino teve uma idéia. Disse para os melhores crupiês jogarem a tal da Katchanga com o cliente mesmo sem conhecer as regras para tentar entender o jogo e assim que eles dominassem as técnicas básicas, tentariam extrair o máximo de dinheiro possível daquele “pote do ouro”.
E assim foi feito.
Na primeira mão, o cliente deu as cartas e, do nada, gritou: “Katchanga!” E levou todo o dinheiro que estava na mesa.
Na segunda mão, a mesma coisa. Katchanga! E novamente o cliente limpou a mesa.
Assim foi durante a noite toda. Sempre o rico senhor dava o seu grito de Katchanga e ficava com o dinheiro dos incrédulos e confusos crupiês.
De repente, um dos crupiês teve uma idéia. Seria mais rápido do que o homem rico. Assim que as cartas foram distribuídas, o crupiê rapidamente gritou com ar de superioridade: “Katchanga!”
Já ia pegar o dinheiro da mesa quando o homem rico, com uma voz mansa mas segura, disse: “Espere aí. Eu tenho uma Katchanga Real!”. E mais uma vez levou todo o dinheiro da mesa…
Ao ouvir essa piada, lembrei imediatamente do oba-oba constitucional que a prática jurídica brasileira adotou a partir das idéias de Alexy.
Como é do costume brasileiro, a teoria dos princípios de Alexy foi, em grande parte, distorcida quando chegou por aqui.
Para compreender o que quero dizer, vou explicar, bem sinteticamente, os pontos principais da teoria de Alexy.
Alexy parte de algumas premissas básicas e necessariamente interligadas:
(a) em primeiro lugar, a idéia de que os direitos fundamentais possuem, em grande medida, a estrutura de princípios, sendo, portanto, mandamentos de otimização que devem ser efetivados ao máximo, dentro das possibilidades fáticas e jurídicas que surjam concretamente;
(b) em segundo lugar, o reconhecimento de que, em um sistema comprometido com os valores contitucionais, é freqüente a ocorrência de colisões entre os princípios que, invariavelmente, acarretará restrições recíprocas entre essas normas (daí a relativização dos direitos fundamentais);
(c) em terceiro lugar, a conclusão de que, para solucionar o problema das colisões de princípios, a ponderação ou sopesamento (ou ainda proporcionalidade em sentido estrito) é uma técnica indispensável;
(d) por fim, mas não menos importante, que o sopesamento deve ser bem fundamentado, calcado em uma sólida e objetiva argumentação jurídica, para não ser arbitrário e irracional.
Os itens a, b e c já estão bem consolidados na mentalidade forense brasileira. Hoje, já existem diversas decisões do Supremo Tribunal Federal aceitando a tese de relativização dos direitos fundamentais, com base na percepção de que as normas constitucionais costumam limitar-se entre si, já que protegem valores potencialmente colidentes. Do mesmo modo, há menções expressas à técnica da ponderação, demonstrando que as idéias básicas de Alexy já fazem parte do discurso judicial.
O problema todo é que não se costuma enfatizar adequadamente o último item, a saber, a necessidade de argumentar objetivamente e de decidir com transparência. Esse ponto é bastante negligenciado pela prática constitucional brasileira. Costuma-se gastar muita tinta e papel para justificar a existência da colisão de direitos fundamentais e a sua conseqüente relativização, mas, na hora do pega pra capar, esquece-se de fundamentar consistentemente a escolha. Por isso, todas as críticas que geralmente são feitas à técnica da ponderação – por ser irracional, pouco transparente, arbitrária, subjetiva, antidemocrática, imprevisível, insegura e por aí vai – são, em grande medida, procedentes diante da realidade brasileira. Entre nós, vigora a teoria da Katchanga, já que ninguém sabe ao certo quais são as regras do jogo. Quem dá as cartas é quem define quem vai ganhar, sem precisar explicar os motivos.
Virgílio Afonso da Silva conseguiu captar bem esse fenômeno no seu texto “O Proporcional e o Razoável”. Ele apontou diversos casos em que o STF, utilizando do pretexto de que os direitos fundamentais podem ser relativizados com base no princípio da proporcionalidade, simplesmente invalidou o ato normativo questionado sem demonstrar objetivamente porque o ato seria desproporcional.
Para ele, “a invocação da proporcionalidade [na jurisprudência do STF] é, não raramente, um mero recurso a um tópos, com caráter meramente retórico, e não sistemático (…). O raciocínio costuma ser muito simplista e mecânico. Resumidamente: (a) a constituição consagra a regra da proporcionalidade; (b) o ato questionado não respeita essa exigência; (c) o ato questionado é inconstitucional”.
Um exemplo ilustrativo desse fenômeno ocorreu com o Caso da Pesagem dos Botijões de Gás (STF, ADI 855-2/DF).
O Estado do Paraná aprovou uma lei obrigando que os revendedores de gás pesassem os botijões na frente do consumidor antes de vendê-los. A referida norma atende ao princípio da defesa do consumidor, previsto na Constituição. E certamente não deve ter sido fácil aprová-la, em razão do lobby contrário dos revendedores de gás. Mesmo assim, a defesa do consumidor falou mais alto, e a lei foi aprovada pela Assembléia Legislativa, obedecendo formalmente a todas as regras do procedimento legislativo.
A lei, contudo, foi reputada inconstitucional pelo STF por ser “irrazoável e não proporcional”. Que aspectos da proporcionalidade foram violados? Ninguém sabe, pois não há na decisão do STF. Katchanga!
No fundo, a idéia de sopesamento/ balanceamento/ ponderação/ proporcionalidade não está sendo utilizada para reforçar a carga argumentativa da decisão, mas justamente para desobrigar o julgador de fundamentar. É como se a simples invocação do princípio da proporcionalidade fosse suficiente para tomar qualquer decisão que seja. O princípio da proporcionalidade é a katchanga real!
Não pretendo, com as críticas acima, atacar a teoria dos princípios em si, mas sim o uso distorcido que se faz dela aqui no Brasil. Como bem apontou o Daniel Sarmento: “muitos juízes, deslumbrados diante dos princípios e da possibilidade de, através deles, buscarem a justiça – ou o que entendem por justiça -, passaram a negligenciar do seu dever de fundamentar racionalmente os seus julgamentos. Esta ‘euforia’ com os princípios abriu um espaço muito maior para o decisionismo judicial. Um decisionismo travestido sob as vestes do politicamente correto, orgulhoso com os seus jargões grandiloqüentes e com a sua retórica inflamada, mas sempre um decisionismo. Os princípios constitucionais, neste quadro, converteram-se em verdadeiras ‘varinhas de condão’: com eles, o julgador de plantão consegue fazer quase tudo o que quiser” (SARMENTO, Daniel. Livres e Iguais: Estudos de Direito Constitucional. São Paulo: Lúmen Juris, 2006, p. 200).
Sarmento tem razão. Esse oba-oba constitucional existe mesmo. E não é só entre os juízes de primeiro grau, mas em todas as instâncias, inclusive no Supremo Tribunal Federal.
Isso não significa dizer que se deve abrir mão do sopesamento. Aliás, não dá pra abrir mão do sopesamento, já que ele é inevitável quando se está diante de um ordenamento jurídico como o brasileiro que aceita a força normativa dos direitos fundamentais.
O que deve ser feito é tentar melhorar a argumentação jurídica, buscando dar mais racionalidade ao processo de justificação do julgamento, através de uma fundamentação mais consistente, baseada, sobretudo, em dados empíricos e objetivos que reforcem o acerto da decisão tomada.
Abaixo a katchangada!
Por ter um pouco a ver com o post acima, cito a seguinte decisão do STF: HC 94194.
Vou resumir o caso:
Vicente Ares Gonzales é um ex-policial civil acusado de envolvimento com a quadrilha que furtou o Banco Central de Fortaleza. Foi ele quem, supostamente, comandou a extorsão mediante seqüestro que culminou na morte de um dos principais responsáveis pelo crime. Além disso, é réu pronunciado por homicídio pelo juiz da Vara do Júri e Execuções Criminais de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, e responde a processo por porte ilegal de arma e lesão corporal na Vara Criminal e de Execuções da Comarca de Varginha, em Minas Gerais.
Sua prisão preventiva foi decretada pelo juiz de primeiro grau (11a Vara/Ce), e foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 5a Região, que foi confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça, até que… … o STF resolveu soltar o dito cujo.
Em termos polidos, o Min. Celso de Mello disse que o juiz do caso cometeu uma katchangada (confirmada pelo TRF e pelo STJ). Para o ministro, a decisão contestada “apoiou-se em meras suposições destituídas de base empírica idônea, sequer indicando as razões de concreta necessidade que, se presentes, poderiam justificar a constrição do status libertatis (estado de liberdade)”.
Particularmente, gosto dos votos do Min. Celso de Mello. Já o elogiei aqui abertamente no caso da greve dos servidores públicos e do voto sobre os tratados internacionais sobre direitos humanos. Mas tentei encontrar, no julgamento acima, qualquer fundamentação sobre o caso específico que ele estava apreciando e não encontrei. Foi uma decisão genérica para um caso extremamente peculiar. A decisão dele cabe para qualquer outra situação. Uma Katchanga Real.
Um rico senhor chega a um cassino e senta-se sozinho em uma mesa no canto do salão principal. O dono do cassino, percebendo que aquela seria uma ótima oportunidade de tirar um pouco do dinheiro do homem rico, perguntou se ele não desejaria jogar.
- Temos roleta, blackjack, texas holden’ e o que mais lhe interessar, disse o dono do Cassino.
- Nada disso me interessa, respondeu o cliente. Só jogo a Katchanga.
O dono do cassino perguntou para todos os crupiês lá presentes se algum deles conhecia a tal da Katchanga. Nada. Ninguém sabia que diabo de jogo era aquele.
Então, o dono do cassino teve uma idéia. Disse para os melhores crupiês jogarem a tal da Katchanga com o cliente mesmo sem conhecer as regras para tentar entender o jogo e assim que eles dominassem as técnicas básicas, tentariam extrair o máximo de dinheiro possível daquele “pote do ouro”.
E assim foi feito.
Na primeira mão, o cliente deu as cartas e, do nada, gritou: “Katchanga!” E levou todo o dinheiro que estava na mesa.
Na segunda mão, a mesma coisa. Katchanga! E novamente o cliente limpou a mesa.
Assim foi durante a noite toda. Sempre o rico senhor dava o seu grito de Katchanga e ficava com o dinheiro dos incrédulos e confusos crupiês.
De repente, um dos crupiês teve uma idéia. Seria mais rápido do que o homem rico. Assim que as cartas foram distribuídas, o crupiê rapidamente gritou com ar de superioridade: “Katchanga!”
Já ia pegar o dinheiro da mesa quando o homem rico, com uma voz mansa mas segura, disse: “Espere aí. Eu tenho uma Katchanga Real!”. E mais uma vez levou todo o dinheiro da mesa…
Ao ouvir essa piada, lembrei imediatamente do oba-oba constitucional que a prática jurídica brasileira adotou a partir das idéias de Alexy.
Como é do costume brasileiro, a teoria dos princípios de Alexy foi, em grande parte, distorcida quando chegou por aqui.
Para compreender o que quero dizer, vou explicar, bem sinteticamente, os pontos principais da teoria de Alexy.
Alexy parte de algumas premissas básicas e necessariamente interligadas:
(a) em primeiro lugar, a idéia de que os direitos fundamentais possuem, em grande medida, a estrutura de princípios, sendo, portanto, mandamentos de otimização que devem ser efetivados ao máximo, dentro das possibilidades fáticas e jurídicas que surjam concretamente;
(b) em segundo lugar, o reconhecimento de que, em um sistema comprometido com os valores contitucionais, é freqüente a ocorrência de colisões entre os princípios que, invariavelmente, acarretará restrições recíprocas entre essas normas (daí a relativização dos direitos fundamentais);
(c) em terceiro lugar, a conclusão de que, para solucionar o problema das colisões de princípios, a ponderação ou sopesamento (ou ainda proporcionalidade em sentido estrito) é uma técnica indispensável;
(d) por fim, mas não menos importante, que o sopesamento deve ser bem fundamentado, calcado em uma sólida e objetiva argumentação jurídica, para não ser arbitrário e irracional.
Os itens a, b e c já estão bem consolidados na mentalidade forense brasileira. Hoje, já existem diversas decisões do Supremo Tribunal Federal aceitando a tese de relativização dos direitos fundamentais, com base na percepção de que as normas constitucionais costumam limitar-se entre si, já que protegem valores potencialmente colidentes. Do mesmo modo, há menções expressas à técnica da ponderação, demonstrando que as idéias básicas de Alexy já fazem parte do discurso judicial.
O problema todo é que não se costuma enfatizar adequadamente o último item, a saber, a necessidade de argumentar objetivamente e de decidir com transparência. Esse ponto é bastante negligenciado pela prática constitucional brasileira. Costuma-se gastar muita tinta e papel para justificar a existência da colisão de direitos fundamentais e a sua conseqüente relativização, mas, na hora do pega pra capar, esquece-se de fundamentar consistentemente a escolha. Por isso, todas as críticas que geralmente são feitas à técnica da ponderação – por ser irracional, pouco transparente, arbitrária, subjetiva, antidemocrática, imprevisível, insegura e por aí vai – são, em grande medida, procedentes diante da realidade brasileira. Entre nós, vigora a teoria da Katchanga, já que ninguém sabe ao certo quais são as regras do jogo. Quem dá as cartas é quem define quem vai ganhar, sem precisar explicar os motivos.
Virgílio Afonso da Silva conseguiu captar bem esse fenômeno no seu texto “O Proporcional e o Razoável”. Ele apontou diversos casos em que o STF, utilizando do pretexto de que os direitos fundamentais podem ser relativizados com base no princípio da proporcionalidade, simplesmente invalidou o ato normativo questionado sem demonstrar objetivamente porque o ato seria desproporcional.
Para ele, “a invocação da proporcionalidade [na jurisprudência do STF] é, não raramente, um mero recurso a um tópos, com caráter meramente retórico, e não sistemático (…). O raciocínio costuma ser muito simplista e mecânico. Resumidamente: (a) a constituição consagra a regra da proporcionalidade; (b) o ato questionado não respeita essa exigência; (c) o ato questionado é inconstitucional”.
Um exemplo ilustrativo desse fenômeno ocorreu com o Caso da Pesagem dos Botijões de Gás (STF, ADI 855-2/DF).
O Estado do Paraná aprovou uma lei obrigando que os revendedores de gás pesassem os botijões na frente do consumidor antes de vendê-los. A referida norma atende ao princípio da defesa do consumidor, previsto na Constituição. E certamente não deve ter sido fácil aprová-la, em razão do lobby contrário dos revendedores de gás. Mesmo assim, a defesa do consumidor falou mais alto, e a lei foi aprovada pela Assembléia Legislativa, obedecendo formalmente a todas as regras do procedimento legislativo.
A lei, contudo, foi reputada inconstitucional pelo STF por ser “irrazoável e não proporcional”. Que aspectos da proporcionalidade foram violados? Ninguém sabe, pois não há na decisão do STF. Katchanga!
No fundo, a idéia de sopesamento/ balanceamento/ ponderação/ proporcionalidade não está sendo utilizada para reforçar a carga argumentativa da decisão, mas justamente para desobrigar o julgador de fundamentar. É como se a simples invocação do princípio da proporcionalidade fosse suficiente para tomar qualquer decisão que seja. O princípio da proporcionalidade é a katchanga real!
Não pretendo, com as críticas acima, atacar a teoria dos princípios em si, mas sim o uso distorcido que se faz dela aqui no Brasil. Como bem apontou o Daniel Sarmento: “muitos juízes, deslumbrados diante dos princípios e da possibilidade de, através deles, buscarem a justiça – ou o que entendem por justiça -, passaram a negligenciar do seu dever de fundamentar racionalmente os seus julgamentos. Esta ‘euforia’ com os princípios abriu um espaço muito maior para o decisionismo judicial. Um decisionismo travestido sob as vestes do politicamente correto, orgulhoso com os seus jargões grandiloqüentes e com a sua retórica inflamada, mas sempre um decisionismo. Os princípios constitucionais, neste quadro, converteram-se em verdadeiras ‘varinhas de condão’: com eles, o julgador de plantão consegue fazer quase tudo o que quiser” (SARMENTO, Daniel. Livres e Iguais: Estudos de Direito Constitucional. São Paulo: Lúmen Juris, 2006, p. 200).
Sarmento tem razão. Esse oba-oba constitucional existe mesmo. E não é só entre os juízes de primeiro grau, mas em todas as instâncias, inclusive no Supremo Tribunal Federal.
Isso não significa dizer que se deve abrir mão do sopesamento. Aliás, não dá pra abrir mão do sopesamento, já que ele é inevitável quando se está diante de um ordenamento jurídico como o brasileiro que aceita a força normativa dos direitos fundamentais.
O que deve ser feito é tentar melhorar a argumentação jurídica, buscando dar mais racionalidade ao processo de justificação do julgamento, através de uma fundamentação mais consistente, baseada, sobretudo, em dados empíricos e objetivos que reforcem o acerto da decisão tomada.
Abaixo a katchangada!
Por ter um pouco a ver com o post acima, cito a seguinte decisão do STF: HC 94194.
Vou resumir o caso:
Vicente Ares Gonzales é um ex-policial civil acusado de envolvimento com a quadrilha que furtou o Banco Central de Fortaleza. Foi ele quem, supostamente, comandou a extorsão mediante seqüestro que culminou na morte de um dos principais responsáveis pelo crime. Além disso, é réu pronunciado por homicídio pelo juiz da Vara do Júri e Execuções Criminais de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, e responde a processo por porte ilegal de arma e lesão corporal na Vara Criminal e de Execuções da Comarca de Varginha, em Minas Gerais.
Sua prisão preventiva foi decretada pelo juiz de primeiro grau (11a Vara/Ce), e foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 5a Região, que foi confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça, até que… … o STF resolveu soltar o dito cujo.
Em termos polidos, o Min. Celso de Mello disse que o juiz do caso cometeu uma katchangada (confirmada pelo TRF e pelo STJ). Para o ministro, a decisão contestada “apoiou-se em meras suposições destituídas de base empírica idônea, sequer indicando as razões de concreta necessidade que, se presentes, poderiam justificar a constrição do status libertatis (estado de liberdade)”.
Particularmente, gosto dos votos do Min. Celso de Mello. Já o elogiei aqui abertamente no caso da greve dos servidores públicos e do voto sobre os tratados internacionais sobre direitos humanos. Mas tentei encontrar, no julgamento acima, qualquer fundamentação sobre o caso específico que ele estava apreciando e não encontrei. Foi uma decisão genérica para um caso extremamente peculiar. A decisão dele cabe para qualquer outra situação. Uma Katchanga Real.
Texto originalmente publicado no blog do autor -
http://direitosfundamentais.net/2008/09/18/alexy-a-brasileira-ou-a-teoria-da-katchanga/Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT):
quinta-feira, 25 de julho de 2013
Sobre maioridade e regeneração
A doença que dói
nos outros
Voto por manter a
maioridade penal aos 18 anos – mas também por tratar
sociopatas de qualquer idade como o que são: um perigo para a
sociedade
julho de 2013
Suzana Herculano-Houzel
Gonçalo Viana
Por causa de
atrocidades cometidas por adolescentes a meses ou dias de completar
18 anos, idade em que eles se tornam imputáveis por seus
crimes literalmente da noite para o dia, muito tem se discutido
recentemente sobre a redução da maioridade penal. A meu
ver, no entanto, o problema é outro: a sociedade ainda precisa
aprender a reconhecer e tratar os sociopatas, independentemente da
idade.
Eles costumavam ser
chamados de psicopatas, mas quando o nome ficou associado aos
assassinos em série, passou-se a chamar de “sociopatas”
essas pessoas que são um perigo para a sociedade, mesmo que
jamais cheguem a matar alguém.
Embora seja
classificada como doença no catálogo atualmente
empregado pelos médicos para classificar todo tipo de
transtorno, a sociopatia destoa das demais. Doenças são
aflições nas quais o corpo para de funcionar
normalmente, de maneira tal que causa prejuízos para seu dono.
No entanto, a sociopatia não é diretamente prejudicial
ao sociopata. Ao contrário; pela ótica deste, ela é
até... benéfica.
Deixe-me explicar. O
cérebro da grande maioria das pessoas tem regiões que
fazem intuir automaticamente o que o outro está pensando ou
sentindo; somos capazes, assim, de sentir (sorrir, sofrer, chorar)
com o outro e de levar essas emoções em consideração,
antecipadamente, na hora de organizar nosso comportamento. É
essa capacidade que nos torna seres sociais. Funciona como um
excelente freio: temos vontade de xingar quem nos fez mal e às
vezes de surrar ou mesmo esganar – mas a mera antecipação
do sofrimento alheio a ser causado nos impede de seguir adiante.
Todos ganham.
Mas não em quem
nasceu com um cérebro, digamos, diferente. Cerca de 1% da
população, dependendo dos critérios usados, tem
um cérebro capaz de sofrer com as próprias dores, de
sentir medo, angústia e prazer – mas suas emoções
só dizem respeito a si mesmo. Seu cérebro não
consegue se importar com a dor alheia, muito menos com aquela causada
por ele. Esses são os sociopatas: sem o freio da emoção
alheia, seu cérebro tem a liberdade de tomar as decisões
que mais o beneficiarem. São indivíduos perfeitamente
racionais. Assim fica possível manipular família,
colegas e “amigos”, mentir, roubar, e até ferir e matar.
Não há remorso; isso exige a capacidade de sentir a dor
do outro. O sociopata é um predador – e só ele ganha
com sua doença.
O nome, contudo, ainda
é apropriado: a sociopatia é um problema para a
sociedade, uma “doença” que causa sofrimento... nos
outros. E ela floresce de maneira especialmente fácil em
sociedades como a brasileira, que carrega uma “culpa” social
tamanha que aceita com facilidade que o mau caráter de alguns
também é culpa dela. E assim os sociopatas,
“pobrezinhos”, fazem a festa.
Quem precisa se cuidar,
portanto, somos nós: os que se preocupam com os outros, e por
isso viram presa fácil para os sociopatas. Para nós, o
melhor tratamento é saber que a sociopatia existe, e fazer
força para não se deixar virar vítima.
E para o sociopata...
não há tratamento conhecido, correção ou
possibilidade de recuperação, além de regras
claras mantidas com mão de ferro. Ao contrário da
adolescência, que “passa”, a sociopatia é desde
sempre e para sempre. Jovens sociopatas de 13, 16 anos, 18
incompletos ou 21 continuarão sociopatas – e se já
agem como tais, deveriam ser reconhecidos e tratados como tais. Por
isso, voto por manter a maioridade penal aos 18 anos – mas tratar
sociopatas de qualquer idade como sociopatas que são: um
perigo para a sociedade.
Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/a_doenca_que_doi_nos_outros.html
domingo, 14 de julho de 2013
EMBRIAGUEZ AO VOLANTE E CAPACIDADE PSICOMOTORA
Ementa: APELAÇÃO CRIMINAL.
RECURSO DEFENSIVO. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ARTIGO 306 DO CÓDIGO DE
TRÂNSITO BRASILEIRO. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVA.
ALTERAÇÃO LEGISLATIVA SUPERVENIENTE. SOLUÇÃO PARA O CASO CONCRETO. O
etilômetro deve ser verificado e aprovado antes do primeiro uso e,
depois, anualmente pelo INMETRO ou órgão da RBMLQ, ostentar selo que o
comprove e ser acompanhado de certificado da verificação em vigor, como
estabelecido na regulamentação metrológica do INMETRO. O entendimento de
que o extrato emitido pelo aparelho deve registrar a data da última
verificação, não a da próxima, e de que a não indicação evidencia a
ausência de verificação em período de vigência abrangente da data do
teste realizado, não se sustenta à vista da normatização metrológica. As
exigências formais para a validade do exame são a presença da etiqueta
de verificação aposta em local visível no aparelho e a exibição do
certificado de verificação no momento do exame, se exigido. No caso
concreto, não se alega a falta de uma coisa nem de outra. O réu é
confesso. E a confissão é corroborada pelo depoimentos dos Policiais
Militares que atenderam a ocorrência e pelo resultado do teste de
etilômetro, que indicou concentração de álcool muito superior ao limite
legal: o triplo. A Lei nº 12.760/2012, alterou o
disposto no artigo 306 do CTB. O tipo já não se realiza pelo simples
fato de o condutor estar com uma determinada concentração de álcool no
sangue e sim, por ele ter a capacidade psicomotora alterada em razão da
influência do álcool, seja ela qual for. A concentração que antes
constituía elementar do tipo passou a ser apenas um meio de prova dessa
alteração. O resultado do exame constitui presunção relativa, em um
sentido ou noutro. Houve descontinuidade típica, mas não abolitio
criminis. Para os processos que ainda se encontrem em andamento,
especialmente as condenações impostas antes da vigência da alteração
pendentes de recurso, como no caso dos autos, deve-se verificar se há
evidência da alteração da capacidade psicomotora, sem o que não pode ser
mantida a condenação. Caso em que há evidência nesse sentido.
Condenação mantida. Penas aplicadas com parcimônia. Sentença confirmada.
RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Crime Nº 70052903184, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Batista Marques Tovo, Julgado em 27/06/2013)
Ementa: APELAÇÃO. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE.
ALTERAÇÃO DA CAPACIDADE PSICOMOTORA. LEI 12.760/12. RETROATIVIDADE. Com
a alteração do artigo 306 da Lei 9503/97 pela Lei 12.760/12, foi
inserida no tipo penal uma nova elementar normativa: a alteração da
capacidade psicomotora. Conforme a atual redação do dispositivo penal
constitui conduta típica a condução do veículo com a capacidade
psicomotora alterada (caput) em razão da concentração de álcool por
litro de sangue superior a 6 decigramas (§ 1º, I) ou em razão do consumo
de substâncias psicoativas (§ 1º, II). Assim, a adequação típica da conduta, agora, depende não apenas da constatação da embriaguez
(seis dg de álcool por litro de sangue), mas, também, da comprovação da
alteração da capacidade psicomotora pelos meios de prova admitidos em
direito. Aplicação retroativa da Lei 12.760/12 ao caso concreto, pois
mais benéfica ao acusado. Ausência de provas da alteração da capacidade
psicomotora, notadamente em razão do auto de exame de corpo de delito
(verificação de embriaguez alcoólica e
toxicológica preliminar) ter apresentado resultado negativo, isto é, o
periciado não apresentava sinais clínicos de embriaguez
no momento do exame. Absolvição decretada. RECURSO PROVIDO. ABSOLVIÇÃO
DECRETADA. (Apelação Crime Nº 70052351608, Terceira Câmara Criminal,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nereu José Giacomolli, Julgado em 23/05/2013)
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