quinta-feira, 25 de julho de 2013

Sobre maioridade e regeneração

A doença que dói nos outros
Voto por manter a maioridade penal aos 18 anos – mas também por tratar sociopatas de qualquer idade como o que são: um perigo para a sociedade
julho de 2013
Suzana Herculano-Houzel

Gonçalo Viana
Por causa de atrocidades cometidas por adolescentes a meses ou dias de completar 18 anos, idade em que eles se tornam imputáveis por seus crimes literalmente da noite para o dia, muito tem se discutido recentemente sobre a redução da maioridade penal. A meu ver, no entanto, o problema é outro: a sociedade ainda precisa aprender a reconhecer e tratar os sociopatas, independentemente da idade.

Eles costumavam ser chamados de psicopatas, mas quando o nome ficou associado aos assassinos em série, passou-se a chamar de “sociopatas” essas pessoas que são um perigo para a sociedade, mesmo que jamais cheguem a matar alguém.

Embora seja classificada como doença no catálogo atualmente empregado pelos médicos para classificar todo tipo de transtorno, a sociopatia destoa das demais. Doenças são aflições nas quais o corpo para de funcionar normalmente, de maneira tal que causa prejuízos para seu dono. No entanto, a sociopatia não é diretamente prejudicial ao sociopata. Ao contrário; pela ótica deste, ela é até... benéfica.

Deixe-me explicar. O cérebro da grande maioria das pessoas tem regiões que fazem intuir automaticamente o que o outro está pensando ou sentindo; somos capazes, assim, de sentir (sorrir, sofrer, chorar) com o outro e de levar essas emoções em consideração, antecipadamente, na hora de organizar nosso comportamento. É essa capacidade que nos torna seres sociais. Funciona como um excelente freio: temos vontade de xingar quem nos fez mal e às vezes de surrar ou mesmo esganar – mas a mera antecipação do sofrimento alheio a ser causado nos impede de seguir adiante. Todos ganham.

Mas não em quem nasceu com um cérebro, digamos, diferente. Cerca de 1% da população, dependendo dos critérios usados, tem um cérebro capaz de sofrer com as próprias dores, de sentir medo, angústia e prazer – mas suas emoções só dizem respeito a si mesmo. Seu cérebro não consegue se importar com a dor alheia, muito menos com aquela causada por ele. Esses são os sociopatas: sem o freio da emoção alheia, seu cérebro tem a liberdade de tomar as decisões que mais o beneficiarem. São indivíduos perfeitamente racionais. Assim fica possível manipular família, colegas e “amigos”, mentir, roubar, e até ferir e matar. Não há remorso; isso exige a capacidade de sentir a dor do outro. O sociopata é um predador – e só ele ganha com sua doença.

O nome, contudo, ainda é apropriado: a sociopatia é um problema para a sociedade, uma “doença” que causa sofrimento... nos outros. E ela floresce de maneira especialmente fácil em sociedades como a brasileira, que carrega uma “culpa” social tamanha que aceita com facilidade que o mau caráter de alguns também é culpa dela. E assim os sociopatas, “pobrezinhos”, fazem a festa.

Quem precisa se cuidar, portanto, somos nós: os que se preocupam com os outros, e por isso viram presa fácil para os sociopatas. Para nós, o melhor tratamento é saber que a sociopatia existe, e fazer força para não se deixar virar vítima.

E para o sociopata... não há tratamento conhecido, correção ou possibilidade de recuperação, além de regras claras mantidas com mão de ferro. Ao contrário da adolescência, que “passa”, a sociopatia é desde sempre e para sempre. Jovens sociopatas de 13, 16 anos, 18 incompletos ou 21 continuarão sociopatas – e se já agem como tais, deveriam ser reconhecidos e tratados como tais. Por isso, voto por manter a maioridade penal aos 18 anos – mas tratar sociopatas de qualquer idade como sociopatas que são: um perigo para a sociedade.

Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/a_doenca_que_doi_nos_outros.html