A doença que dói
nos outros
Voto por manter a
maioridade penal aos 18 anos – mas também por tratar
sociopatas de qualquer idade como o que são: um perigo para a
sociedade
julho de 2013
Suzana Herculano-Houzel
Gonçalo Viana
Por causa de
atrocidades cometidas por adolescentes a meses ou dias de completar
18 anos, idade em que eles se tornam imputáveis por seus
crimes literalmente da noite para o dia, muito tem se discutido
recentemente sobre a redução da maioridade penal. A meu
ver, no entanto, o problema é outro: a sociedade ainda precisa
aprender a reconhecer e tratar os sociopatas, independentemente da
idade.
Eles costumavam ser
chamados de psicopatas, mas quando o nome ficou associado aos
assassinos em série, passou-se a chamar de “sociopatas”
essas pessoas que são um perigo para a sociedade, mesmo que
jamais cheguem a matar alguém.
Embora seja
classificada como doença no catálogo atualmente
empregado pelos médicos para classificar todo tipo de
transtorno, a sociopatia destoa das demais. Doenças são
aflições nas quais o corpo para de funcionar
normalmente, de maneira tal que causa prejuízos para seu dono.
No entanto, a sociopatia não é diretamente prejudicial
ao sociopata. Ao contrário; pela ótica deste, ela é
até... benéfica.
Deixe-me explicar. O
cérebro da grande maioria das pessoas tem regiões que
fazem intuir automaticamente o que o outro está pensando ou
sentindo; somos capazes, assim, de sentir (sorrir, sofrer, chorar)
com o outro e de levar essas emoções em consideração,
antecipadamente, na hora de organizar nosso comportamento. É
essa capacidade que nos torna seres sociais. Funciona como um
excelente freio: temos vontade de xingar quem nos fez mal e às
vezes de surrar ou mesmo esganar – mas a mera antecipação
do sofrimento alheio a ser causado nos impede de seguir adiante.
Todos ganham.
Mas não em quem
nasceu com um cérebro, digamos, diferente. Cerca de 1% da
população, dependendo dos critérios usados, tem
um cérebro capaz de sofrer com as próprias dores, de
sentir medo, angústia e prazer – mas suas emoções
só dizem respeito a si mesmo. Seu cérebro não
consegue se importar com a dor alheia, muito menos com aquela causada
por ele. Esses são os sociopatas: sem o freio da emoção
alheia, seu cérebro tem a liberdade de tomar as decisões
que mais o beneficiarem. São indivíduos perfeitamente
racionais. Assim fica possível manipular família,
colegas e “amigos”, mentir, roubar, e até ferir e matar.
Não há remorso; isso exige a capacidade de sentir a dor
do outro. O sociopata é um predador – e só ele ganha
com sua doença.
O nome, contudo, ainda
é apropriado: a sociopatia é um problema para a
sociedade, uma “doença” que causa sofrimento... nos
outros. E ela floresce de maneira especialmente fácil em
sociedades como a brasileira, que carrega uma “culpa” social
tamanha que aceita com facilidade que o mau caráter de alguns
também é culpa dela. E assim os sociopatas,
“pobrezinhos”, fazem a festa.
Quem precisa se cuidar,
portanto, somos nós: os que se preocupam com os outros, e por
isso viram presa fácil para os sociopatas. Para nós, o
melhor tratamento é saber que a sociopatia existe, e fazer
força para não se deixar virar vítima.
E para o sociopata...
não há tratamento conhecido, correção ou
possibilidade de recuperação, além de regras
claras mantidas com mão de ferro. Ao contrário da
adolescência, que “passa”, a sociopatia é desde
sempre e para sempre. Jovens sociopatas de 13, 16 anos, 18
incompletos ou 21 continuarão sociopatas – e se já
agem como tais, deveriam ser reconhecidos e tratados como tais. Por
isso, voto por manter a maioridade penal aos 18 anos – mas tratar
sociopatas de qualquer idade como sociopatas que são: um
perigo para a sociedade.
Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/a_doenca_que_doi_nos_outros.html