Jessé Torres Pereira Junior é desembargador do Tribunal de Justiça e professor da Escola da Magistratura do estado do Rio de Janeiro.
A poucos anos de encerrar carreira trintenária na magistratura, começo a pensar em deixar testemunhos, se é que a alguém possam interessar. O primeiro deles é o de que a pauta do juiz, quando se tem dela uma visão retrospectiva (do quase aposentado), é o inverso do que parece ser a visão prospectiva (quando nela se dão os primeiros passos): é antes uma lista de "não posso" do que uma agenda de "posso", ou seja, antes dever do que poder. Eis a lista do que o juiz não pode, no exercício de suas funções:
Não pode escolher dia, hora, nem caso segundo o seu teor de elegância ou desafio técnico para resolver os conflitos que lhe são apresentados, porque os conflitos humanos não têm hora, nem lugar certo, nem conteúdo preferencial para explodir. E do juiz a sociedade espera que resolva aqueles para os quais as pessoas não encontraram uma solução aceitável, ou não lograram controlar os seus efeitos negativos, que chegam ao juiz sob a forma de liminares, medidas cautelares e tutelas antecipadas, durante o expediente ou fora dele, em dia útil, fim de semana ou feriado;
· Não pode retardar essa solução, nem apressá-la, porque para cada caso haverá uma solução adequada e o tempo para encontrá-la também variará a cada caso. Sem contar as urgências que podem comprometer a salvaguarda, no presente, de direitos a serem reconhecidos no futuro, quanto à liberdade e ao patrimônio material ou moral daqueles que batem às portas do Judiciário;
· Não pode hierarquizar os conflitos a resolver, porque aos envolvidos o conflito sempre parece ser enorme, quase uma questão de vida, morte, sobrevivência ou honra. Ou tudo ao mesmo tempo;
· Não pode generalizar o mal, nem descrer do bem, porque em cada conflito eles estarão entremeados e se espera que o juiz tenha conhecimento e sabedoria para distingui-los, ainda que ocultos sob os mais variados disfarces e enevoados por circunstâncias, previsíveis ou inopinadas;
· Não pode hierarquizar interesses segundo quem deles seja o titular, porque o juiz é juiz de todos, ricos e pobres, humildes e poderosos, crianças, jovens e idosos, públicos e privados, individuais e coletivos, de repercussão larga ou restrita;
· Não pode imaginar-se superior em importância a outros profissionais. Porque se é verdade que recebe da sociedade a incumbência de julgá-los a todos, em suas mazelas, erros e fraquezas, vitórias e derrotas, também ele, juiz, porta a mesma natureza de todos aqueles a quem julga, e melhor os julgará se puder entendê-los e respeitá-los em seus pontos fracos e fortes;
· Não pode supor-se um ser superior em formação, virtude ou inteligência, porque, ainda que as tenha em dose generosa, de nada valerão se não colocadas a serviço do ofício de julgar com justiça. Ou seja, são ferramentas, não fins em si mesmos;
· Não pode postular prerrogativas que não sejam aquelas estritamente necessárias ao exercício da autoridade inerente ao ofício de julgar, do qual decorrem decisões impositivas para as partes (prender ou soltar, mandar pagar ou não pagar, obrigar a fazer ou a não fazer, a dar ou a não dar), porque o reconhecimento dessa autoridade pela sociedade não advém, propriamente, das prerrogativas do cargo, mas da sabedoria e da discrição com que são exercidas. E esse reconhecimento é o único que se traduzirá em respeito e acatamento;
· Não pode pretender auferir vantagens que a nenhuma outra profissão é garantida, porque, embora a sua função seja fundamental para a paz social, todas as outras têm um relevante papel social a cumprir – faxinar, curar, administrar, assistir, entreter, informar, comunicar, fabricar, comercializar, apoiar, negociar, assegurar – e movem o mundo, sem o qual, com os seus conflitos inerentes (e cada vez mais disseminados e plúrimos), juízes não seriam necessários;
· Não pode sacrificar a si próprio, à sua família e à sua saúde com jornadas excessivas ou intemperantes, porque equilíbrio e ponderação é o mínimo que se espera do juiz, inclusive quanto à gestão de sua própria vida privada, equilíbrio e ponderação indispensáveis a que cumpra bem o ofício de julgar.
Diante de tantas restrições, é admirável que ainda exista quem queira ser juiz. A sociedade há de lhe ser reconhecida, desde que nele ou nela veja alguém que diga o direito e distribua a justiça não como atributo de uma inexistente superioridade, mas como missão que alguns devem desempenhar a serviço de todos, sujeitos às mesmas vicissitudes e limitações da alma humana, tanto quanto reclamam respeito à sua dignidade como pessoas.
Não pode escolher dia, hora, nem caso segundo o seu teor de elegância ou desafio técnico para resolver os conflitos que lhe são apresentados, porque os conflitos humanos não têm hora, nem lugar certo, nem conteúdo preferencial para explodir. E do juiz a sociedade espera que resolva aqueles para os quais as pessoas não encontraram uma solução aceitável, ou não lograram controlar os seus efeitos negativos, que chegam ao juiz sob a forma de liminares, medidas cautelares e tutelas antecipadas, durante o expediente ou fora dele, em dia útil, fim de semana ou feriado;
· Não pode retardar essa solução, nem apressá-la, porque para cada caso haverá uma solução adequada e o tempo para encontrá-la também variará a cada caso. Sem contar as urgências que podem comprometer a salvaguarda, no presente, de direitos a serem reconhecidos no futuro, quanto à liberdade e ao patrimônio material ou moral daqueles que batem às portas do Judiciário;
· Não pode hierarquizar os conflitos a resolver, porque aos envolvidos o conflito sempre parece ser enorme, quase uma questão de vida, morte, sobrevivência ou honra. Ou tudo ao mesmo tempo;
· Não pode generalizar o mal, nem descrer do bem, porque em cada conflito eles estarão entremeados e se espera que o juiz tenha conhecimento e sabedoria para distingui-los, ainda que ocultos sob os mais variados disfarces e enevoados por circunstâncias, previsíveis ou inopinadas;
· Não pode hierarquizar interesses segundo quem deles seja o titular, porque o juiz é juiz de todos, ricos e pobres, humildes e poderosos, crianças, jovens e idosos, públicos e privados, individuais e coletivos, de repercussão larga ou restrita;
· Não pode imaginar-se superior em importância a outros profissionais. Porque se é verdade que recebe da sociedade a incumbência de julgá-los a todos, em suas mazelas, erros e fraquezas, vitórias e derrotas, também ele, juiz, porta a mesma natureza de todos aqueles a quem julga, e melhor os julgará se puder entendê-los e respeitá-los em seus pontos fracos e fortes;
· Não pode supor-se um ser superior em formação, virtude ou inteligência, porque, ainda que as tenha em dose generosa, de nada valerão se não colocadas a serviço do ofício de julgar com justiça. Ou seja, são ferramentas, não fins em si mesmos;
· Não pode postular prerrogativas que não sejam aquelas estritamente necessárias ao exercício da autoridade inerente ao ofício de julgar, do qual decorrem decisões impositivas para as partes (prender ou soltar, mandar pagar ou não pagar, obrigar a fazer ou a não fazer, a dar ou a não dar), porque o reconhecimento dessa autoridade pela sociedade não advém, propriamente, das prerrogativas do cargo, mas da sabedoria e da discrição com que são exercidas. E esse reconhecimento é o único que se traduzirá em respeito e acatamento;
· Não pode pretender auferir vantagens que a nenhuma outra profissão é garantida, porque, embora a sua função seja fundamental para a paz social, todas as outras têm um relevante papel social a cumprir – faxinar, curar, administrar, assistir, entreter, informar, comunicar, fabricar, comercializar, apoiar, negociar, assegurar – e movem o mundo, sem o qual, com os seus conflitos inerentes (e cada vez mais disseminados e plúrimos), juízes não seriam necessários;
· Não pode sacrificar a si próprio, à sua família e à sua saúde com jornadas excessivas ou intemperantes, porque equilíbrio e ponderação é o mínimo que se espera do juiz, inclusive quanto à gestão de sua própria vida privada, equilíbrio e ponderação indispensáveis a que cumpra bem o ofício de julgar.
Diante de tantas restrições, é admirável que ainda exista quem queira ser juiz. A sociedade há de lhe ser reconhecida, desde que nele ou nela veja alguém que diga o direito e distribua a justiça não como atributo de uma inexistente superioridade, mas como missão que alguns devem desempenhar a serviço de todos, sujeitos às mesmas vicissitudes e limitações da alma humana, tanto quanto reclamam respeito à sua dignidade como pessoas.