domingo, 8 de abril de 2012

Vício redibitório e CDC, os vários caminhos para desfazer um mau negócio

08/04/2012 - 08h00
ESPECIAL
 
Muitas pessoas já depararam com a seguinte situação: adquiriram um bem por meio de contrato, por exemplo, um contrato de compra e venda, e depois de algum tempo descobriram que o objeto desse contrato possuía defeito ou vício – oculto no momento da compra – que o tornou impróprio para uso ou diminuiu-lhe o valor. Casos de vícios em imóveis ou em automóveis são bastante recorrentes.

Para regular tal situação, o Código Civil (CC) prevê a redibição (daí o termo vício redibitório), que é a anulação judicial do contrato ou o abatimento no seu preço. Os casos de vício redibitório são caracterizados quando um bem adquirido tem seu uso comprometido por um defeito oculto, de tal forma que, se fosse conhecido anteriormente por quem o adquiriu, o negócio não teria sido realizado.

Além da anulação do contrato, o CC prevê no artigo 443 a indenização por perdas e danos. Se o vício já era conhecido por quem transferiu a posse do bem, o valor recebido deverá ser restituído, acrescido de perdas e danos; caso contrário, a restituição alcançará apenas o valor recebido mais as despesas do contrato.

De caráter bem mais abrangente, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) representou grande evolução para as relações de consumo e ampliou o leque de possibilidades para a solução de problemas, incluindo os casos de vícios redibitórios. A lei de proteção ao consumidor preza “pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho”, conforme prevê o artigo 4º, inciso II, alínea d.

Desde 1990, quando foi promulgado o CDC, o instituto do vício redibitório perdeu espaço na proteção dos direitos do consumidor. O código consumerista impõe responsabilidade ampla ao fornecedor diante de defeitos do produto ou do serviço, independentemente das condições que a lei exige para o reconhecimento do vício redibitório – como, por exemplo, a existência de contrato ou o fato de o vício ser oculto e anterior ao fechamento do negócio.

No entanto, o instituto do vício redibitório continua relevante nas situações não cobertas pelo CDC, como são as transações entre empresas (desde que não atendam às exigências do código para caracterizar relação de consumo) e muitos negócios praticados entre pessoas físicas.

Em diversos julgamentos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem interpretado as disposições do CC e do CDC no que diz respeito aos vícios redibitórios. Acompanhe alguns pronunciamentos do Tribunal acerca do assunto.

Vício redibitório x vício de consentimento

A Terceira Turma do STJ, ao julgar o REsp 991.317, estabeleceu a distinção entre vício redibitório e vício de consentimento, advindo de erro substancial. Para a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, o tema é delicado e propício a confusões, principalmente pela existência de teorias que tentam explicar a responsabilidade pelos vícios redibitórios sustentando que derivam da própria ignorância de quem adquiriu o produto.

Naquele processo, foi adquirido um lote de sapatos para revenda. Os primeiros seis pares vendidos apresentaram defeito (quebra do salto) e foram devolvidos pelos consumidores. Diante disso, a venda dos outros pares foi suspensa para devolução de todo o lote, o que foi recusado pela empresa fabricante.

Em segunda instância, a hipótese foi considerada erro substancial. Segundo acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), a razão exclusiva do consentimento do comprador do lote de sapatos era “a certeza de que as mercadorias adquiridas possuíam boa qualidade, cuja inexistência justifica a anulação da avença”.

Entretanto, no entendimento da ministra Nancy Andrighi, quem adquiriu o lote de sapatos não incorreu em erro substancial, pois recebeu exatamente aquilo que pretendia comprar. A relatora entendeu que “os sapatos apenas tinham defeito oculto nos saltos, que os tornou impróprios para o uso”.

“No vício redibitório o contrato é firmado tendo em vista um objeto com atributos que, de uma forma geral, todos confiam que ele contenha. Mas, contrariando a expectativa normal, a coisa apresenta um vício oculto a ela peculiar, uma característica defeituosa incomum às demais de sua espécie”, disse a ministra.

Segundo ela, os vícios redibitórios não são relacionados à percepção inicial do agente, mas à presença de uma disfunção econômica ou de utilidade no objeto do negócio. “O erro substancial alcança a vontade do contratante, operando subjetivamente em sua esfera mental”, sustentou.

Prazo para reclamar
Em relação aos vícios ocultos, o CDC dispõe no artigo 26, parágrafo 3º, que o prazo para que o consumidor reclame inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito.

No julgamento do REsp 1.123.004, o ministro Mauro Campbell entendeu que, caracterizado vício oculto, o prazo decadencial inicia a partir da data em que o defeito for evidenciado, ainda que haja uma garantia contratual. Contudo, não se pode abandonar o critério da vida útil do bem durável, para que o fornecedor não fique responsável por solucionar o vício eternamente.

Diante disso, o ministro reformou decisão que considerou afastada a responsabilidade do fornecedor do produto, nos casos em que o defeito for detectado após o término do prazo de garantia legal ou contratual.

No REsp 1.171.635, o desembargador convocado Vasco Della Giustina, da Terceira Turma, concluiu que a inércia do consumidor em proceder à reclamação dentro do prazo de caducidade autoriza a extinção do processo com resolução do mérito, conforme orienta o artigo 269, inciso IV, do Código de Processo Civil (CPC).

O consumidor adquiriu dois triciclos e, menos de um mês depois, descobriu certo problema no seu funcionamento. Depois de idas e vindas buscando uma solução, passados seis meses, registrou reclamação no Procon. Somente após mais de um ano, o consumidor intentou ação judicial.

“Esta Corte Superior já se manifestou pela inexistência de ilegalidade, quando o inconformismo do consumidor ocorre em data superior ao prazo de decadência”, afirmou o relator.

Quem responde?
No julgamento do REsp 1.014.547, a Quarta Turma decidiu que a responsabilidade por defeito constatado em automóvel, adquirido por meio de financiamento bancário, é exclusiva do vendedor, pois o problema não se relaciona às atividades da instituição financeira.

Uma consumidora adquiriu uma Kombi usada, que apresentou defeitos antes do término da garantia – 90 dias. O automóvel havia sido adquirido por meio de uma entrada, paga diretamente à revendedora, e o restante financiado pelo Banco Itaú.

A consumidora ingressou em juízo e, em primeira instância, obteve a rescisão do contrato de compra e venda, bem como do financiamento firmado com o banco. Ambos foram condenados solidariamente a restituírem os valores das parcelas pagas e, além disso, a revendedora foi condenada a indenizar a autora por danos morais. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) manteve a sentença.

Inconformado, o Banco Itaú recorreu ao STJ e apontou violação dos artigos 14 e 18 do CDC. Sustentou que o contrato de financiamento seria distinto do de compra e venda do veículo, firmado com a empresa revendedora. Sendo assim, os defeitos seriam referentes ao veículo e isso não importaria nenhum vício no contrato de financiamento.

Segundo o ministro João Otávio de Noronha, a instituição financeira não pode ser tida por fornecedora do bem que lhe foi ofertado como garantia de financiamento. O ministro explicou que as disposições do CDC incidem sobre a instituição bancária apenas na parte referente aos serviços que presta, ou seja, à sua atividade financeira.

Para ele, a consumidora formalizou dois contratos distintos. “Em relação ao contrato de compra e venda do veículo e o mútuo com a instituição financeira, inexiste, portanto, acessoriedade, de sorte que um dos contratos não vincula o outro nem depende do outro”, sustentou.

Imóveis
Já em relação a defeitos existentes em imóvel financiado pela Caixa Econômica Federal (CEF), a Quarta Turma decidiu, ao julgar o REsp 738.071, que a instituição financeira era parte legítima para responder, juntamente com a construtora, por vícios na construção do imóvel cuja obra foi por ela financiada com recursos do Sistema Financeiro de Habitação (SFH).

A CEF recorreu ao STJ argumentando que não teria responsabilidade solidária pelos vícios de construção existentes no imóvel, localizado no Conjunto Habitacional Ângelo Guolo, em Cocal do Sul (SC), destinado a moradores de baixa renda.

O ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso especial, explicou que a legitimidade passiva da instituição financeira não decorreria simplesmente do fato de haver financiado a obra, mas de ter provido o empreendimento, elaborado o projeto com todas as especificações, escolhido a construtora e de ter negociado diretamente, dentro do programa de habitação popular.

Segundo entendimento majoritário da Quarta Turma nesse julgamento, a responsabilidade da CEF em casos que envolvem vícios de construção em imóveis financiados por ela deve ser analisada caso a caso, a partir da regulamentação aplicável a cada tipo de financiamento e das obrigações assumidas pelas partes envolvidas.

Fonte: Superior Tribunal de Justiça

quarta-feira, 28 de março de 2012

STJ consolida jurisprudência que disciplina a reforma agrária no país

25/03/2012 - 08h00
ESPECIAL
A reforma agrária objetiva, basicamente, a democratização do acesso à terra. Para atingir esse objetivo, o governo deve tomar medidas para uma distribuição mais igualitária da terra, desapropriando grandes imóveis e assentando famílias de lavradores ou garantindo a posse de comunidades originárias daquelas terras, como indígenas e quilombolas.

As desapropriações são conduzidas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), autarquia ligada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). As ações do Incra têm como base as diretrizes do II Programa Nacional de Reforma Agrária, implantado em 2003.

Além da desconcentração da estrutura fundiária, alguns dos objetivos do programa são: o combate à fome, a produção de alimentos, a geração de renda e o desenvolvimento rural sustentável. Entretanto, em 2011, pouco mais de 22 mil famílias foram assentadas – de acordo com dados do Incra –, em grande contraste com o ano de 2006, por exemplo, quando foram atendidas mais de 136 mil famílias.

O Judiciário tem ajudado bastante no processo de desapropriação – seja ele por utilidade pública ou por interesse social. Pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) já passaram centenas de processos relativos à desapropriação para reforma agrária, o que ajudou o tribunal a consolidar sua jurisprudência relativa ao tema – inclusive com entendimentos sumulados.

Área maior

Durante o processo de desapropriação, peritos fazem laudos técnicos sobre a propriedade expropriada – relativos à produtividade e mesmo ao tamanho da propriedade. Em alguns desses casos, a área encontrada pelo perito difere daquela no registro do imóvel.

Por conta dessa situação, o Incra recorreu diversas vezes ao STJ. No Recurso Especial (REsp) 1.252.371, relatado pelo ministro Cesar Rocha, a autarquia questionou decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), que determinou que o valor da indenização corresponderia à área encontrada pela perícia, e não àquela registrada.

O Incra já havia depositado indenização correspondente à área efetivamente registrada e declarada, embora tenha medido, em perícia, cerca de 20 hectares a mais. A indenização oferecida pelo Incra era de R$ 1.117.159,28, mas a sentença fixou indenização em R$ 1.412.186,88 (reduzindo o valor arbitrado pelo laudo pericial, R$ 1.848.731,28). O valor foi mantido pelo TRF5, sob o argumento de que “a indenização deve corresponder ao todo real, pouco importando o que o registro anuncie”.

O ministro Cesar Rocha destacou que, a seu ver, a indenização deve abranger a área total determinada, sem restrições ao levantamento dos valores equivalentes à diferença obtida entra a área do registro e a área real. Segundo ele, o expropriado só ficaria impossibilitado de levantar a totalidade do valor da desapropriação se houvesse dúvidas quanto à propriedade da área não registrada ou disputas pela porção de terra.

Porém, a jurisprudência do tribunal impõe indenização da área registrada, mantendo-se em depósito judicial o que sobrar até que o expropriado promova a retificação do registro ou que seja decidida a titularidade do domínio.

Juros compensatórios
Os juros compensatórios são cedidos ao desapropriado para compensar o que ele deixou de ganhar com a perda antecipada do imóvel ou ressarci-lo pela perda do uso e gozo econômico do imóvel. Entretanto, sempre existem controvérsias sobre sua base de cálculo.

Nos embargos declaratórios no REsp 1.215.458, o Incra alegou que a base de cálculo para incidência dos juros compensatórios seria a diferença apurada entre o preço ofertado em juízo e o valor da condenação – no período de vigência da Medida Provisória 1.577, de 1997 até 2001.

O ministro Mauro Campbell Marques concordou com a alegação do Incra e acolheu os embargos. Segundo ele, entre 11 de junho de 1997 e 13 de setembro de 2001, os juros devem ser fixados em 6% ao ano. A partir daí, em 12% ao ano, de acordo com a súmula 618 do Supremo Tribunal Federal (STF).

O ministro explicou que antes da MP 1.577, a base de cálculo corresponde ao valor da indenização fixada em sentença, a partir da imissão de posse. Depois da MP, a base de cálculo corresponde ao valor ofertado pelo expropriante menos o valor fixado judicialmente. E a partir de 2001, quando a MP foi considerada inconstitucional, a base de cálculo passa a ser a diferença entre 80% do valor ofertado e o valor fixado na sentença.

Imóvel improdutivo
Alguns dos imóveis desapropriados são improdutivos, ou seja, não cumprem sua função social. E muitas vezes, a administração pública se recusa a pagar os juros compensatórios. Porém, o STJ entende que os juros compensatórios incidem, sim, sobre imóveis improdutivos.

O ministro Castro Meira afirmou esse entendimento no julgamento do REsp 1.116.364. Para ele, “excluir os juros compensatórios do valor a ser indenizado representaria, em verdade, dupla punição”.

Isso por causa da frustração da expectativa de renda, pois a qualquer momento o imóvel improdutivo pode ser aproveitado e se tornar produtivo, ou pode mesmo ser vendido. O fundamento para a imposição dos juros compensatórios não é a produtividade, e sim o desapossamento.

No julgamento dos embargos de divergência no REsp 453.823, o ministro Teori Zavascki explica quais são os critérios que devem ser cumpridos para um imóvel ser considerado produtivo: aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recurso naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho; exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e trabalhadores.

Mas ainda que o imóvel não atenda a esses critérios, os juros compensatórios são cabíveis. Segundo o ministro Zavascki, isso acontece em respeito ao princípio da justa indenização.

“Embora a Constituição tenha afastado a recomposição em dinheiro do patrimônio do titular do imóvel desapropriado, manteve o critério da justa indenização, que só se fará presente mediante a reparação de todos os prejuízos experimentados pelo administrado, incluindo os juros compensatórios”, explicou o ministro.

Comunidade quilombola
O Incra tentou desapropriar uma fazenda localizada em terras definidas como sítio de valor histórico e patrimônio cultural do povo Kalunga. Mas a sentença extinguiu o processo, por considerar que o objetivo da desapropriação para reforma agrária é promover a expropriação de terras para o assentamento de trabalhadores. O entendimento foi mantido pelo TRF1.

A autarquia recorreu ao STJ – no REsp 1.046.178 – alegando que possui legitimidade para realizar a desapropriação do imóvel. O Decreto 4.887/03 regula o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que reconhece a propriedade definitiva das terras às comunidades quilombolas.

O decreto declara o Incra competente para a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. O DL 3.365/41, que trata das desapropriações por utilidade pública, não prevê a desapropriação para regularização de terras para comunidades quilombolas que não ocupavam a área desapropriada.

O caso é, na verdade, desapropriação por interesse social, pois o imóvel não servirá à administração pública, e sim ao interesse da comunidade – o objetivo da desapropriação é a preservação do patrimônio cultural do povo Kalunga.

Segundo o ministro Mauro Campbell Marques – ao dar provimento ao recurso do Incra, determinando a retomada do trâmite da ação de desapropriação –, o poder público não pode desapropriar imóveis sem lhes destinar qualquer finalidade pública ou interesse social.

“A desapropriação de imóvel rural para fins de reforma agrária, modalidade extrema de intervenção do estado na propriedade privada, constitui mecanismo de implementação de justiça social no campo, por intermédio da justa distribuição da propriedade rural e da renda fundiária”, disse o ministro.

Fonte: Superior Tribunal de Justiça

sexta-feira, 23 de março de 2012

Crédito consignado cai no gosto do trabalhador e vira tema de decisões no STJ

23/10/2011 - 08h00
ESPECIAL
A tentação está em cada esquina. São inúmeras as ofertas de empréstimo com desconto em folha, e as taxas de juros menores em razão da garantia do pagamento seduzem os trabalhadores. Segundo o Banco Central, o consignado responde por 60,4% do crédito pessoal. Ainda que os órgãos públicos monitorem a margem consignável para evitar o superendividamento dos servidores, é comum as dívidas acabarem comprometendo altas parcelas dos vencimentos.

No Superior Tribunal de Justiça (STJ), decisões sobre o empréstimo consignável formaram jurisprudência que busca proteger os trabalhadores, sem desrespeitar os contratos. Em fevereiro de 2011, a Terceira Turma decidiu que a soma mensal das prestações referentes às consignações facultativas ou voluntárias, como empréstimos e financiamentos, não pode ultrapassar o limite de 30% dos vencimentos do trabalhador (REsp 1.186.965). O recurso no STJ era de uma servidora pública gaúcha, contra um banco que aplicava percentual próximo dos 50%.
A ação foi movida pela servidora, que pediu a redução do teto do desconto. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) rejeitou a tese, pois entendeu que o desconto era regular e que só deveria haver limitação quando a margem consignável fosse excedida. No STJ, a servidora invocou decisão do TJ de São Paulo, que limita o desconto a 30%.

Dignidade da pessoa

O relator, ministro Massami Uyeda, levou em consideração a natureza alimentar do salário e o princípio da razoabilidade, para atingir o equilíbrio entre os objetivos do contrato firmado e a dignidade da pessoa. Com isso, “impõe-se a preservação de parte suficiente dos vencimentos do trabalhador, capaz de suprir as suas necessidades e de sua família, referentes à alimentação, habitação, vestuário, higiene, transporte etc.”, completou.
A Lei 10.820/03 dispõe sobre a autorização para desconto de prestações em folha de pagamento dos empregados regidos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e o Decreto 6.386/08 regulamenta o artigo 45 da Lei 8.112/90, que trata da consignação em folha de pagamento dos servidores públicos. De acordo com o ministro, essas legislações determinam que a soma mensal das prestações destinadas a abater os empréstimos realizados não deve ultrapassar 30% dos vencimentos do trabalhador.

Fiscalização

Quando o desconto é na folha de pagamento do servidor público, a Segunda Turma do STJ entende que é cabível acionar o ente estatal para responder à ação. Foi o que decidiram os ministros no julgamento do recurso de uma pensionista do Exército, que buscava a redução da margem descontada em razão de empréstimo (REsp 1.113.576).

Para a relatora do recurso, ministra Eliana Calmon, “não obstante a concordância do mutuário na celebração do contrato de empréstimo com a instituição financeira, cabe ao órgão responsável pelo pagamento dos proventos dos pensionistas de militares fiscalizar os descontos em folha, como a cobrança de parcela de empréstimo bancário contraído, a fim de que o militar ou o pensionista não venha a receber quantia inferior ao percentual de 30% da remuneração ou proventos”.

Indenização

Quando age com negligência, o ente público fica obrigado a indenizar. Foi o que ocorreu no caso de uma segurada do INSS no Rio Grande do Sul (REsp 1.228.224). Ela viu parte de seus rendimentos ser suprimida do contracheque em razão de contrato de empréstimo consignado, mas o documento era falso. A segurada ajuizou ação contra o instituto pelo dano moral.

O tribunal de justiça estadual entendeu que eram ilegais os descontos nos proventos de aposentadoria da autora, porque não existia o acordo de empréstimo consignado, e que a autarquia previdenciária agiu com desídia ao averbar contrato falso.

No recurso analisado pela Segunda Turma do STJ, os ministros reafirmaram que, caracterizada a responsabilidade subjetiva do Estado, mediante a conjugação concomitante de três elementos – dano, negligência administrativa e nexo de causalidade entre o evento danoso e o comportamento ilícito do poder público –, a segurada tem direito à indenização ou reparação civil dos prejuízos suportados. O relator, ministro Herman Benjamin, considerou inviável alterar o valor dos danos morais, fixado em R$ 5 mil, por não serem exorbitantes ou irrisórios.

Bloqueio
Em outro recurso que chegou ao STJ, a Terceira Turma determinou que o banco se abstivesse de bloquear os valores referentes ao salário e à ajuda de custo de um cliente para cobrir o saldo devedor de sua conta. O relator, ministro Humberto Gomes de Barros, já aposentado, ressaltou que a conduta do banco não se equipararia ao contrato de mútuo com consignação em folha de pagamento, pois, neste último, apenas uma parcela do salário é retida ante a expressa e irrevogável autorização do mutuário (REsp 831.774).

Garantia
Em 2005, a Segunda Seção decidiu que é proibido ao cidadão revogar, unilateralmente, cláusula de contrato de empréstimo em consignação (REsp 728.563). A hipótese é válida indistintamente para cooperativas de crédito e instituições financeiras de todo o Brasil. O entendimento foi o de que as cláusulas contratuais que tratam dos descontos em folha de pagamento não são abusivas, sendo, na verdade, da própria essência do contrato celebrado.

O desconto em folha é inerente ao contrato, “porque não representa apenas uma mera forma de pagamento, mas a garantia do credor de que haverá o automático adimplemento obrigacional por parte do tomador do mútuo, permitindo a concessão do empréstimo com margem menor de risco", afirmou no julgamento o relator, ministro Aldir Passarinho Junior, já aposentado.

O ministro afastou o argumento de que o desconto em folha seria penhora de renda, prática proibida pelo Código de Processo Civil. Segundo ele, esse não é o caso do desconto em folha, sendo distintas as hipóteses.

O Código de Defesa do Consumidor está prestes a passar por mudanças. É provável que a comissão criada no Senado para sugerir as alterações inclua o empréstimo consignado no novo texto da lei.
Fonte: Sítio do Superior Tribunal de Justiça

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Judiciário. Verdades que não são ditas.

Por Antonio Sbano *
A cada dia aumentam os ataques ao Poder Judiciário com acusações de “caixa preta”, falta de transparência e privilégios.
As boas práticas são sempre, e maldosamente, omitidas.
O Poder Judiciário vem, nos últimos anos, apresentando uma gama de transformações, mudando seu perfil de um Poder calado e voltado para dentro de si mesmo, imagem construída por uma cultura secular e que não mais condiz com a realidade de nossos dias.
É verdade que a transformação da máquina judiciária a muitos incomoda na medida em que a população clama pela transparência nos demais Poderes.
Vamos, em partes, avaliar esses novos tempos do Judiciário.
Desde sempre, o Poder Judiciário foi fiscalizado em todos seus atos: a atuação dos magistrados são sempre escritas e registradas em autos e atas, a elas as partes e seus advogados têm acesso, existe a participação do Ministério Público e nosso sistema assegura duplo grau de jurisdição, ou seja, toda decisão judicial está abrigada por um recurso processual, cabendo a revisão do caso a um colegiado. Não existem diários secretos ou publicações ocultas!
Existiam falhas no campo administrativo. Hoje, com o Conselho Nacional de Justiça, novos rumos são traçados e políticas de aperfeiçoamento da administração judiciária se implementam a cada dia, otimizando o trabalho e reduzindo custos operacionais. O CNJ, integrado por magistrados, promotores, advogados e pessoas da sociedade indicadas pelas Casas Legislativas, vem, apesar de alguns erros, poucos e naturais em uma fase de consolidação do organismo, prestando relevantes serviços à Nação.
Dizem que a Justiça não merece crédito da população.
Vou me limitar à Justiça Estadual, certo que as demais caminham na mesma trilha.
Em 2010, segundo dados do CNJ (acesso público livre no site), a Justiça dos Estados, contando com cerca de 12.000 magistrados (1º e 2º Grau), registra:
Receita gerada pela Justiça Estadual: R$ 8.022.122.476,00
CASOS NOVOSCASOS PENDENTESPROC. BAIXADOSSENTENÇAS/DECISÕES
19.604.10249.401.29120.184.18017.611.991
Em simples operação matemática se vê que a magistratura estadual brasileira, entre processos baixados e sentenciados, produziu um total de 37.796.171 de atos, ou seja, medida mensal de 3.150 feitos, ou, ainda, 262 processos/dia/juiz.
Acrescente-se que o magistrado não apenas sentencia: ele faz audiências, atende aos advogados, administra o cartório e tem a seu cargo diversas atividades administrativas para o regular funcionamento da unidade jurisdicional. Se trabalhasse apenas o horário de expediente…
Se o povo não acreditasse na Justiça, como se explica que em 2011 os casos novos atingissem à casa dos 23.000.000 de processos?
Um dos grandes entraves à uma Justiça mais rápida é a excessiva judicialização de casos que deveriam ser resolvidos pelas Agências Reguladoras, afetas ao Poder Executivo e que se demonstram ineficientes.
Outro óbice é a legislação ultrapassada e a permitir sucessivos recursos processuais, fazendo com que os processos se eternizem.
Ainda, temos a enfatizar o calote oficial dos precatórios: o Poder Público é condenado e não paga suas dívidas, inexistindo previsão legal de punição do governante que desrespeita o direito do cidadão, fazendo voz corrente: ganhou, mas não levou, quem sabe os netos ou bisnetos!
A atual cúpula governista tem ojeriza ao Poder Judiciário e nega, aos magistrados, todo e qualquer direito previsto na Constituição Federal. Motivos? Quiçá a história possa informar!
Ouvi, ontem 13/02/2012, pergunta de um jornalista ao Presidente da AMB, questionando o privilégio do magistrado em receber auxílio para mudança. Para o magistrado, o jornalista enfatiza PRIVILÉGIO, o que ele não diz, quiçá não saiba, que na CLT aos trabalhadores em geral se assegura o direito de adicional de transferência e pagamento das despesas efetuadas para a mudança. A pergunta foi meramente provocativa e destinada a causar clamor popular.
Atacam-se as férias de 60 dias. Entretanto, só se fala das férias na magistratura, e as do Ministério Público e da defensoria Pública e de outras carreiras jurídicas do Estado?
E no Parlamento, onde se registram 55 dias de recesso e os seus Membros ainda reservam dias da semana para visitar suas bases eleitorais?
Juízes trabalham em regime de plantão, sem remuneração extra. Mesmo não estando de plantão, podem ser instados a resolver casos urgentes. Estão, portanto, à disposição do serviço público, 365 dias por anos, descontadas as férias.
Pretende-se considerar iguais situações que são desiguais. Se para algumas categorias se admite tratamento diferenciado, por que só para a magistratura se afirma ser “privilégio”. Latente má fé!
Os mesmos que tentam chafurdar o Poder Judiciário na lama, não esclarecem ao povo que, verbis gratia, a Justiça concede inúmeros Habeas Corpus, Mandados de Segurança e Liminares para sanar violação aos direitos do cidadão, independente dia e hora.
Criticam-se pagamento de valores devidos ao longo de décadas aos magistrados, chegam a falar em prescrição de forma leviana e ignorando o que seja tal instituto e as normas legais que a interrompe. No âmbito da CLT, se a empresa não paga seus débitos trabalhistas, penhoram-se bens e quitam-se as dívidas. Quanto aos juízes, após anos de batalha judiciais, as sentenças só são cumpridas anos mais tarde e após árduas negociações e sempre atrelados à disposição de caixa. Evidente que a cada ano, aplicando-se juros e correção monetária, índices estabelecidos em lei, a dívida assume proporções enormes. Se o Poder Público honrasse seus compromissos a tempo, com certeza os valores seriam bem menores. Dirão, existem casos irregulares! Sim, podem existir, apure-se e punam-se os infratores, não é porque uma laranja está podre que toda carga está perdida!
O magistrado desconta previdência social sobre a totalidade de seus ganhos, mas a partir de 2004, somente receberá sua aposentadoria sobre o teto previdenciário e nada mais. E os valores pagos a mais, o governo se apropriará indevidamente?
A discriminação é gritante, o trabalhador vinculado ao INSS desconta, no máximo, sobre o teto previdenciário. Por que somente os magistrados são apenados com descontos sobre a totalidade de seus ganhos se, depois, só receberão sobre o teto previdenciário – e sequer são filiados ao INSS?
Acusam as Associações de Magistrados de corporativistas. Se uma Associação de classe ou um Sindicato não for corporativista o que justificará sua existência?
Muitas mudanças ainda precisam ser feitas.
No Executivo, a cada dia surgem novos escândalos, sempre mal esclarecidos; no Legislativo, verifica-se alguma melhora, mas não se tem oposição de fato.
No Judiciário, os julgamentos são abertos, as exigências para ingresso na magistratura, a de carreira, são grandes e além das provas de conhecimento existe a investigação social, rigorosa e a não admitir uma simples anotação na distribuição de processos. Ou seja, a ficha limpa funciona desde longa data e não apenas para quem tem anotação após julgamento de 2º Grau. Evidente que com controle rígido, poucos são os que se afastam do bom caminho – E TODA MAGISTRATURA CLAMA PELA EXCLUSÃO DOS FALTOSOS, APÓS O DEVIDO PROCESSO ELGAL E A AMPLA DEFESA, direitos de todo cidadão.
Não se pode continuar com o critério estritamente político de escolha de Ministros para os Tribunais Superiores, chegando-se ao absurdo de um único Partido Político deter o controle absoluto de tais indicações, vale dizer, transformando-se uma corte técnica em órgão a decidir por vontade social, usurpando a função do Congresso. Veja-se o recente julgamento da Lei Maria da Penha: a lei em vigor diz que a ação penal e condicionada; uma decisão judicial, a transforma em pública incondicionada, quando tal mudança deveria se operar por processo legislativo.
Após a criação do CNJ, é de se repensar o chamado quinto constitucional. Todo cargo efetivo somente deve ser preenchido por concurso público, nunca por escolha política e sem critérios objetivos.
A estrutura de 1º e de 2º Grau merecem um padrão nacional, como forma de se dar ao cidadão serviços mais facilmente identificados e eficientes. Isto não implica em retirar dos Estados a sua autonomia e gestão, a exemplo de outros serviços públicos normatizados nacionalmente, mas executados pelos Estados.
Sem um Poder Judiciário forte e capaz de atuar sem pressões ou opressões dos demais Poderes, não se terá democracia, o cidadão estará sujeito aos caprichos e desejos dos governantes, sem ter a quem recorrer.
Um exemplo claro é a busca, diária, do cidadão para que o Judiciário lhe assegure remédios e internações essências à vida (direito constitucional), o que desagrada a elites governantes. Sem independência do juiz para se opor à resistência do governo, a quem o cidadão irá recorrer?
Concluindo, não se constrói uma democracia sólida sem Poderes organizados, livres, independentes, porém harmônicos e que possam, somando esforços, atender às necessidades sociais.
As garantias inscritas na Constituição Federal não se destinam à magistratura, mas ao povo de sorte que possam ter a seu serviço, um Órgão capaz de assegurar os direitos contidos naquela Carta e nas leis inferiores contra os abusos e desmandos dos demais Podres e, até, de Membros do próprio Poder Judiciário. Garantias existem em outros Países e são valorizadas e respeitadas, aqui, uns poucos sensacionalistas de plantão e sem compromisso com a causa pública, rotulam tais garantias de “privilégios”.
Seria ótimo que tais detratores buscassem estatísticas em outros Países para ver em quantos se têm produtividade maior, ou ao menos, igual a dos juízes brasileiros.
*Antonio Sbano, juiz de direito, professor e presidente da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais.
http://www.anamages.org.br/portal/artigos/judiciario-verdades-que-nao-sao-ditas/