Em defesa da meritocracia acadêmica
Artigo de Gauss M Cordeiro e Renato J Cintra para o Jornal da Ciência
Em
qualquer bom ranking internacional de avaliação de qualidade não é
listada nenhuma universidade federal entre as 300 melhores do mundo. Não
parece estranho esse fato, pois o Brasil está entre as dez maiores
economias do planeta? Existe um gigantismo que assola as nossas
universidades federais. Muitos professores só fazem ministrar suas
aulas, pois se dedicam a outras atividades que lhes oferecem maior
retorno financeiro. Muitos daqueles que possuem compromisso didático não
têm qualquer interesse na pesquisa científica, o que reflete o
desempenho pífio de qualidade das nossas federais. Os sindicatos são
formados, em boa parte, por pessoas que têm pouco comprometimento com a
pesquisa de qualidade; costumam falar por todos quando apenas
representam uma minoria e têm seus interesses norteados pelo
corporativismo exacerbado. Tudo isso reflete na nossa baixa
produtividade científica.
Nesse cenário, temos a Lei
12.772/2012, promulgada no apagar das luzes de 2012, que diz em seu
artigo 8, parágrafo 1o., que "No concurso público [para a carreira de
magistério superior], será exigido o diploma de curso superior em nível
de graduação." Até aí, não há nada de novo; tal diploma sempre foi
exigido. Entretanto, muitos departamentos também exigiam outros
diplomas, como o de doutorado ou de mestrado, a depender de suas
especificidades. O objetivo estava claro: contratar os professores
melhores qualificados. A novidade está na interpretação da nova lei. Nas
maioria das IFES (sendo a UNIFESP uma exceção), as procuradorias
jurídicas estão apontando pela ilegalidade em se exigir diplomas
adicionais.
O problema vem agora. Os concursos públicos para o
magistério superior têm um formato pouco flexível baseado em prova
escrita, didática e de títulos, nas quais os procuradores se esforçam em
tirar das bancas examinadoras qualquer tipo de avaliação subjetiva.
Assim, as chances de um simples graduado realizar provas escrita ou
didática comparáveis as de um doutor são altas; pois as provas são
julgadas em nível de graduação. Além disso, nesse modelo de concurso, as
provas escrita e didática têm peso maior que a prova de títulos.
Portanto, o concurso torna-se um instrumento ineficaz para distinguir o
mérito acadêmico do candidato ao magistério. Logo, nivela-se por baixo.
Por conta dessa famigerada lei, os pesquisadores doutores mais ativos terão que ingressar na carreira acadêmica na categoria mais baixa: professor auxiliar.
Certamente,
ainda há áreas com carência de doutores ou mesmo de mestres. Nesses
casos, um concurso para graduados é inevitável. Mas, em áreas mais
maduras do conhecimento, há doutores. Assim, remover das IFES a
liberdade de escolher o perfil de seus candidatos é um retrocesso. Na
UFPE, por exemplo, vários departamentos fizeram esforços por décadas
para atrair bons cérebros, montar quadros de docentes com doutorado nas
melhores universidades do mundo e estimular seus docentes sem doutorado a
se titularem. Hoje tais departamentos estão entre os mais destacados em
produtividade científica do País.
Infelizmente, ao longo dos
últimos anos, uma série de eventos se combinam para desmantelar qualquer
ambiente acadêmico que pretenda esboçar excelência. Nominalmente,
temos: excesso de burocracia que engessa as universidades; introdução de
legislações, pareceres e recomendações jurídicas que corroem o mérito e
as tradições universitárias (por exemplo, na UFPE, não se pode
solicitar uma simples carta de recomendação no processo de seleção de
alunos da pós-graduação); indefesa dos valores acadêmicos baseado em
mérito; desmotivação dos professores mais destacados; infra-estrutura
extremamente precária; nivelamento por baixo; imposição de sistema de
quotas para alunos iméritos; vestibular com fraquíssimo crivo de
seleção; excessiva preocupações com evasão ou reprovação, mas pouca
preocupação em melhorar o ensino; priorização em criar novos cursos e
diplomar alunos em grande quantidade sem necessariamente zelo pela
qualidade; baixa qualidade do ensino médio que reflete em uma baixa
qualidade do ensino superior. Esta lista não é exaustiva. Efetivamente,
vem-se introduzindo dispositivos anti-meritocráticos e assistencialistas
que exaltam a mediocridade. O estímulo ao esforço e/ou a busca pela
excelência está sendo relativizado.
Gauss M Cordeiro e Renato J Cintra são professores e pesquisadores da UFPE
Fonte: Jornal da Ciência, 4704