Do discurso à realidade, distância
abissal! - Por Antonio Sbano *
A cada crise, a cada situação
impactante, ouvimos discursos inflamados pregando a necessidade de
solução e apresentando fórmulas mágicas.
Passada a ventania, tudo se esquece e
voltamos ao status quo ante.
Desde longa data os juízes brasileiros
questionam a falta de infraestrutura para trabalhar. Acendeu-se uma
luz de esperança com a criação do CNJ, mas esta luz não passou de
mera lamparina, sem querosene!
Questionamos, enquanto aqueles que
estão ao lado do cidadão, vivendo nas mais longícuas comarcas e
seções judiciárias, das parcas instalações, da falta de
segurança, da sobrecarga de trabalho, da falta de material e de
pessoal qualificado. Reclamamos a necessidade de mudança na
legislação processual, ranços das Ordenações, mas falamos ao
vento e nossa oratória, tal qual grãos de areia é levada pelo
tempo e esquecida.
Discute-se no Congresso a reforma da
lei penal e dos códigos de processo. Na área penal, as mudanças
feitas na última década apenas atenderam aos reclamos dos advogados
criminalistas, Afrouxando a lei e beneficiando a bandidagem, tudo em
favor dos acusados e condenados, em detrimento à sociedade, mas o
povo reclama: “ a polícia prende, o juiz solta”, como se o juiz
pudesse mudar o comando legal.
Na esfera cível, o projeto elaborado
no Senado com a participação de magistrados atendia à modernidade;
agora, na Câmara, por pressão da OAB, temos um texto a eternizar o
processo, a permitir mais e mais gincanas e artimanhas
procrastinatórias. As normas legais devem ser feitas para atender Á
SOCIEDADE e não para satisfazer interesses classistas e de um
segmento profissional.
Dentro desse cenário e diante dos
reclamos da magistratura, surgem os discursos enfatizando a
necessidade de se valorizar o 1º Grau, discursos até de quem no
passado, sempre pisoteou e atacou os juízes em suas bases. Enfim,
papel aceita tudo quanto nele se escreve!
Não adiante apenas falar é preciso
agir e dar as necessárias condições de trabalho, inclusive dando
exemplo de eficiência.
Aqui, só se considera “ficha suja”
quem tenha condenação em 2º Grau, como se a decisão do juiz,
daquele que vivenciou o problema junto à comunidade onde serve, nada
valasse.
Nos Tribunais em geral, e agora no CNJ,
assessorias, equipamentos modernos, carros, motoristas, seguranças a
cada passo, gastos excessivos e algumas instalações suntuosas.
Nas Comarcas, Varas mal instaladas,
prédios ruindo, em muitos Estados verdadeiros pardieiros, somando-se
à falta de pessoal – a Justiça de muitos Estados somente funciona
com pessoal emprestado pelos Municípios, uma vergonha, gente boa,
mas sem qualificação profissional e em quantidade insuficiente. Não
raro, o juiz, além de presidir as audiências, tem que
digitalizá-las por falta de assessor para tanto.
Fala-se na informatização dos
processos, ótimo, maravilhoso, mas esquecem que na Amazônia, por
exemplo, não existe banda larga e que os Tribunais são obrigados a
parcerias com outros órgãos para poder transmitir seus dados, isto
quando tem luz porquanto muitas usinas termoelétricas não funcionam
o dia todo, por economia e seu alto custo.
Quando o juiz adia uma audiência,
justas reclamações, mesmo que exista um motivo razoável. No CNJ,
pauta-se mais de uma centena de processos e só se julgam alguns,
muitos na chamada pauta rápida, prática ilegal e a caracterizar
julgamento secreto, feito a quatro paredes, sem acesso das partes e
advogados somente se divulgando o resultado final. Advogados se
locomovem à Brasília para sustentação oral, uma, duas, dezenas de
vezes, com elevados custos, vendo seus processos serem adiados em
razão da elevada carga de serviço e do adiantado da hora.
Interessante, aqui a OAB não reclama, não questiona o desrespeito
aos advogados – ah, se fosse numa vara, pobre do juiz, lá estaria
a OAB a vociferar e protestar!
Nas Varas o juiz está entregue à
própria sorte, sem segurança alguma, mas alguém já observou o
número de seguranças nas dependências do CNJ, em dias de Sessão
ou de assessores, sempre postados ostensivamente na sala e o esquema
de segurança para ingresso nas dependências do STF?
Enquanto os juízes sofrem com a falta
de pessoal, nos gabinetes dos Tribunais sobram funcionários
assessorando. Tal disparidade é cantada em prosa e verso, criticada
pelo próprio CNJ, como as observações feitas na Sessão de hoje em
relação à Bahia, mas de concreto, de real, qual a medida tomada
para obrigar os Tribunais a melhor gerenciar seu pessoal e
distribuí-lo de forma equânime e capaz de atender a demanda de
serviço e não a conveniências localizadas e em cargos
comissionados?
A magistratura de carreira que se
esvazia, cerca de ¼ dos cargos em todo o Brasil estão vagos,
obrigando os juízes a acumularem uma ou mais Varas, nem sempre na
mesma Comarca (e, ainda assim, cerca de 12000 juízes são capazes de
prolatar mais de 25 milhões de sentença por ano, além de realizar
audiências, ouvir testemunhas e realizarem uma infinidade de atos
administrativos!): candidatos que deixam de tomar posse para migrar
para outras carreiras com melhor remuneração (vendo os jornais de
ontem, 11/XI, vi a informação de que fiscais do Município de são
Paulo ganham 20 mil por mês, mais do que a remuneração do juiz em
entrância final naquele Estado), aposentadoria precoces pela falta
de estímulo para permanecer na carreira, mas a PEC destinada a
restabelecer o adicional por tempo de serviço está engessada na
Câmara e no Senado por pressão do Poder Executivo.
Outras carreiras receberam aumento real
e nominal de salários, a magistratura, apesar de norma
constitucional garantir a reposição da inflação anualmente,
registra perdas de mais de 30% em seus subsídios e o juiz não pode
exercer nenhuma outra atividade, salvo um cargo no magistério, nem
recebe verbas de gabinete ou auxílios outros, como nos demais
Poderes.
Diversas carreiras gozam de
aposentadoria especial, em razão do risco pelo exercício da função,
os juízes foram colocados na vala comum da falida (mal gerida)
Previdência, apesar de contribuírem sobre a totalidade de seus
subsídios e não pelo teto do INSS. Mais de 150 juízes ameaçados
de morte, invasão de Fóruns, mortes registradas e dizem que a
atividade não é de risco!
Como se pode ver, entre os discursos
inflamados, flash e entrevistas e a realidade do dia a dia existe um
abismo quase que intransponível, contribuindo para a morosidade da
Justiça em prejuízo ao povo brasileiro.
Mais uma vez fica a indagação, a quem
interessa uma Justiça fragilizada em suas bases.
Calar os juízes é fechar a última
porta de esperança do cidadão, é tirar dele a oportunidade de se
opor a opressão e aos desmandos (e não se diga que o povo não
acredita nos juízes, a crescente demanda processual demonstra
exatamente o contrário, tanto o brasileiro confia na sua Justiça
que a ela recorre cada vezes mais!).
Juiz valorizado é juiz com boas
condições de trabalho em todos seus aspectos, com remuneração
compatível com suas responsabilidades e a certeza de que
dedicando-se exclusivamente à carreira poderá ter, na aposentadoria
o mesmo padrão de vida anterior.
* Antonio Sbano, Presidente da
Associação Nacional dos Magistrados Estaduais – Anamages
http://www.anamages.org.br/?view=detalhe.publicacao&url_amigavel=do-discurso-a-realidade-distancia-abissal-por-antonio-sbano